Articles Edleise Mendes: Língua Portuguesa gera interesse mundial “nunca visto”

A Língua Portuguesa está a gerar um interesse mundial sem precedentes, e esse interesse tem sido liderado pela China. Essa afirmação foi dada pela professora brasileira Edleise Mendes, presidente da Sociedade Internacional de Português Língua Estrangeira (SIPLE). Segundo a académica brasileira, isso se deve à afirmação dos países lusófonos no cenário económico internacional. A Língua Portuguesa, segundo a responsável, caminha para ser uma alternativa ao inglês, a par do espanhol. A seguir a entrevista na íntegra à professora Edleise Mendes à jornalista Patrícia Mendes, do Plataforma Macau.

::: Que interesse é que o português está a gerar a nível mundial? :::
Edleise Mendes – Nos últimos anos há, de facto, um crescimento muito grande do interesse pelo português, não só nos países onde ele é Língua oficial, é Língua de cultura, mas também, e sobretudo, como Língua estrangeira em todas as partes do mundo. Em alguns contextos isso é mais evidente, como, por exemplo, na China.

Há um grande interesse pela aprendizagem do português na China, assim como tem havido nos países lusófonos cada vez mais interesse pela aprendizagem do chinês. Mas não só: também em países como os Estados Unidos o crescimento tem sido exponencial, não só por estrangeiros, norte-americanos que desejam aprender português, mas também por uma retomada do interesse pelas comunidades de herança que estão espalhadas pelo mundo e que haviam perdido a sua Língua. Há, por exemplo, há uma série de descendentes nos Estados Unidos de portugueses, brasileiros, cabo-verdianos que, de alguma forma, perderam a Língua e foram de tal modo introduzidos na cultura norte-americana que essa herança ficou um pouco esquecida. Então, hoje há um interesse dessas comunidades de herança muito grande em retomar a Língua e as culturas lusófonas. Somos uma Língua só com muitas caras, muitas culturas e muitas histórias.

::: E acha que esse interesse pelo português é hoje maior do que no passado? :::
EM – Muito maior, sem dúvida. Nunca se viu um crescimento tão grande, a ponto de termos uma procura de professores de português tal que não temos gente suficientemente formada para lhe dar resposta. Em várias partes do mundo é possível ver simples falantes de Língua Portuguesa atuando como professores, tal é o interesse de muitos espaços onde não há professores. Nos últimos dez anos, esse interesse praticamente triplicou. Então, acho que os países de Língua Portuguesa têm hoje um desafio muito grande nessa área da educação, do investimento na formação de novos professores.

::: Qual é a grande razão que justifica esta situação? :::
EM – É justamente a evidência que os países de Língua oficial portuguesa têm tido no mundo. Pode ser uma evidência cultural, política, mas é sobretudo econômica. O Brasil puxa muito esse interesse, mas também os países africanos de Língua oficial portuguesa, que também têm crescido muito no cenário internacional.

Temos trabalhado justamente para que o português caminhe para ser uma Língua, de facto, internacional, e isso só é possível a partir do trabalho conjunto de todos nós, não mais apenas Brasil ou Portugal, que durante muito tempo trabalharam de forma divergente e apenas essas duas normas de uso do português tinham evidência no mundo.

Agora apela-se a toda a comunidade de países de Língua Portuguesa para trabalhar de modo conjunto para que o português possa de facto ser uma Língua de projeção e importância internacional e cada vez mais presente em todos os espaços, educacionais, políticos, econômicos e sobretudo nas organizações internacionais.

::: Que países é que estão a revelar maior interesse pelo Ensino do Português como Língua estrangeira? :::
EM – Sem sombra de dúvida a China, é o país que tem investido nos últimos anos mais fortemente para a aprendizagem e crescimento do português. Outros países asiáticos também, mas sobretudo a China. Os Estados Unidos também, e a Argentina.

Na China, existe esse interesse crescente pelo português a nível do ensino superior, mas não só: também na escola básica, e nunca houve tantas escolas de línguas livres especializadas no Ensino do Português, o que mostra que o ensino superior não tem dado conta [do interesse pela Língua Portuguesa]. Há um grande público que está no mercado que deseja aprender português porque isso significa novas oportunidades de trabalho, novas aberturas para uma vida possivelmente melhor.

Na Argentina, o português é uma Língua de escolha no Ensino Secundário, mas há fases da educação básica argentina em que o português é obrigatório, assim como no Brasil.

Isto resulta de um acordo, segundo o qual o espanhol é obrigatório em alguma fase da educação básica brasileira, assim como na Argentina o português, e vai também passar a ser obrigatório no Ensino Médio. A tendência é que essa contrapartida seja comum aos países que integram o Mercosul, que esse crescimento, essa parceria tenha muito mais força e que, de facto, a lei seja cumprida, da obrigatoriedade em toda a educação básica do ensino do espanhol no Brasil e do Ensino do Português nos países do Mercosul que estabeleçam com o Brasil esse acordo de cooperação. Este tipo de acordo visa a integração regional e tem um caráter político, econômico e de fortalecimento de um bloco não só econômico, mas sobretudo político e cultural.

Agora, o interesse também surge de países que se aproximam dos lusófonos, como a Guiné Equatorial, que passou a fazer parte da CPLP.

–– “Internacionalização requer nova gestão” ––
::: O português tem condições para vir a competir, pelo menos em alguns mercados, com o inglês ou espanhol, como Língua obrigatória de ensino escolar? :::
EM – Acho que sim. O português está a caminhar para ser, por exemplo, ao lado do espanhol uma Língua alternativa ao inglês. Temos a possibilidade de figurar no mundo com o português como Língua de comunicação global, de produção científica, como Língua de tradução, de profusão jornalística e comunicacional. Temos essa força, e acho que estamos a caminhar cada vez mais para isso.

::: No Ensino do Português como Língua estrangeira, continua a haver a opção entre as normas portuguesa ou brasileira. É um problema para a internacionalização do português? :::
EM – É algo que já está um tanto ultrapassado, porque todo o discurso, inclusive da própria CPLP, dos próprios governantes e das pessoas que trabalham na área da educação reconhece que isso apenas nos atrasa, porque precisamos é de reconhecer que temos as nossas diferenças, mas que também temos as nossas aproximações e falamos a mesma Língua com diferentes normas de uso. A mesma Língua tem diferentes possibilidades de uso e de vivência. Mas isso não significa que criemos um fosso que nos distancie a ponto de não permitir um trabalho em conjunto. Então, todo o trabalho do IILP [Instituto Internacional da Língua Portuguesa], por exemplo, é mudar essa visão e mostrar que é possível uma gestão diferente da Língua Portuguesa no século XXI, que seja compartilhada, na qual todos participemos. E o Portal do Professor de Português Língua Estrangeira é um exemplo de que é possível fazer isso. O professor no portal tem a possibilidade de aceder gratuitamente a unidades produzidas a partir de diferentes países da CPLP e utilizá-los.

::: Mas mesmo assim, esses professores terão sempre de optar pela norma que vão ensinar aos alunos, não? :::
EM – É enriquecedor poder sair do nosso lugar e olhar para o que o outro faz na nossa Língua. É preciso um trabalho de consciencialização dos políticos, legisladores e governantes para que tenham a consciência de que essas diferenças só nos afastam.

::: Qual deve então ser o objetivo? :::
EM – De forma nenhuma se procura uma uniformização. O Acordo Ortográfico também não é isso: é apenas uma tentativa de minimizar as diferenças no plano ortográfico. As variedades de uso entre as normas permanecerão, porque vivemos em contextos culturais diferentes e, portanto, tudo o que somos está impresso na Língua. A tentativa não é uniformizar a Língua Portuguesa, mas respeitar o que o outro diz e faz, e tentar incorporar isso na sala de aula. Mostrar aos alunos não que a norma portuguesa, por exemplo, é melhor ou mais correta do que a brasileira, a angolana ou porque a brasileira tem mais força porque tem mais gente que a fala: é esse tipo de pensamento que tem atrapalhado muito o crescimento do português.

O objetivo é o aluno e os professores negociarem os exemplos de Língua que são mais confortáveis para si, sem radicalismos, fechamentos, sem estabelecer diferenças hierárquicas de valor entre as variedades. A palavra de ordem não é uniformização ou apagamento das diferenças em prol de uma Língua que não tem “cara”, mas criar na sala de aula um ambiente necessário de abertura, de valorização das diferentes identidades culturais de Língua Portuguesa e, na medida do possível, fazer com que essas variedades dialoguem, sem forçar a nada, porque a abertura vai promover a aproximação sem que a gente perceba. A nossa Língua é linda justamente pela sua grande diversidade.

–– “Falta vontade política” ––
::: E quanto à certificação de professores e alunos de português, o que é preciso fazer? :::
EM – O que é necessário é que haja não uma uniformização do processo de certificação, porque Portugal e o Brasil têm os seus sistemas e cada um tem as suas especificidades, mas criar um sistema de equivalência. Não tem sentido uma pessoa que tem uma certificação do Brasil, ela não seja reconhecida em Portugal e vice-versa.

::: O que falta para se conseguir essa equivalência? :::
EM – Em primeiro lugar, uma vontade dos nossos governantes: deveriam começar a pensar nisso, e o IILP é o grande instrumento que poderia propor e promover esta equivalência. Não só a nível da certificação, mas também a outros níveis, onde é possível haver essa concertação, como é o caso do projeto do Portal do Professor de Português Língua Estrangeira, que estamos a desenvolver.

::: Com que objetivo foi criado este portal? :::
EM – O projeto do portal foi criado em 2011 no âmbito do Plano de Brasília e, a partir de 2012, as equipes nacionais começaram a produzir as unidades didáticas. Já temos no portal unidades de Angola, Brasil, Moçambique, Portugal e Timor-Leste.

O portal é aberto, gratuito e qualquer professor em qualquer parte do mundo pode aceder ao mesmo, fazendo uma inscrição muito simples, e a partir daí pode ter acesso às cerca de 400 unidades didáticas disponíveis, que significam cerca de 800 horas de aulas gratuitas para o Ensino do Português em três níveis.

Temos mais de 6 mil professores inscritos no portal, muitos dos quais da América Latina, África, Portugal e de outros países espalhados pelo mundo, como a Finlândia e Romênia, e até agora quase 60 mil acessos. O portal está ainda em fase de testes, e até outubro estará plenamente no ar com todas as suas ferramentas, inclusive as de interatividade. Registramos um maior crescimento na utilização do portal a partir de África, Estados Unidos e na América Latina. Na China ainda não, talvez pela falta de conhecimento da existência do portal, mas isto deverá mudar.

::: E onde estão a fazer cursos como o que realizaram em Macau? :::
EM – Estes cursos estão relacionados com um grupo ou um contexto específico. Então, para que pudéssemos elaborar as unidades a partir desses contextos, precisávamos ir lá. O primeiro curso foi realizado em Lisboa em maio, e era voltado para a produção de materiais para o ensino do Português como Língua de Herança e para crianças. Agora em Macau, com a parceria da Universidade de Macau e da Fundação Oriente, realizamos outro para a produção de unidades para falantes de chinês que estarão disponíveis no portal. E em outubro, vamos realizar outro na Argentina para produção de materiais de português para falantes de espanhol. :::

MENDES, Edleise. Português gera interesse mundial “nunca visto”.
(Entrevista a Patrícia Mendes)
Extraído da revista Plataforma Macau (Macau, China).