Ifá

IFÁ DIVINATION –WILLIAM BASCON 

INTRODUÇÃO

Ifá é um sistema de divinação baseado em 16 configurações básicas e 256 derivadas ou secundárias (Odú), obtidas por intermédio da manipulação de 16 castanhas de palmeira (ikin) ou pelo meneio de urna corrente (opèlè) de oito meias conchas. O culto de Ifá, na sua qualidade de deus da divinação, impõe ce‐rimônias, sacrifícios, tabus, parafernálias, tambores, cânticos, louvações, inicia‐ção e outros elementos rituais comparáveis aos de outros ritos iorubás; estes não são tratados aqui exaustivamente uma vez que o tema primordial do presente estudo é o de Ifá como um sistema de divinação. O modus de divinação será dis‐cutido pormenorizadamente mais adiante, mas urna breve descrição faz‐se ne‐cessária na etapa inicial.
As 16 castanhas de palmeira são pegadas pela mão direita, deixando apenas uma ou duas na esquerda; caso duas castanhas sobrem, um sinal único é feito na bandeja de divinação; se uma ficar, um duplo sinal será feito. Repetindo esse procedimento quatro vezes, resultará uma das 16 configurações básicas, tais como mostradas na Ilustração 1, A; repetindo‐o oito vezes dá um par ou combinação das configurações básicas, isto é, uma das 256 configurações se‐cundárias. Alternativamente, uma das 256 configurações derivadas pode ser ob‐tida com um só lançamento da corrente divinatória (opèlè), com cara/coroa ao invés de par/ímpar. Essa corrente é segurada ao meio, de tal modo que quatro meias conchas pendam para cada lado, num só alinhamento. Cada meia concha pode cair cara ou coroa, isto é, pode cair com sua superfície côncava para cima, o que equivale a uma marca única, ou com essa superfície para baixo, o que cor‐responderá a duas marcas na bandeja. Representando‐se a parte interna cônca‐va por um ‐O‐ e a parte externa convexa por um ‐Ø‐, as 16 configurações básicas (metade da corrente divinatória) aparecem conforme mostrado na Ilustração 1,B.
As figuras básicas estão listadas na Ilustração 1 na ordem reconhe‐cida em Ifé, mas uma outra, ligeiramente diferente, é mais largamente reconhe‐cida (ver Capítulo IV, Ilustração 3,B).
A divinação Ifá é praticada pelo Iorubá e Benin Edu, da Nigéria (Dennett, 1910: 148; Melzian, 1937: 159; Bradbury, 1957: 54—60; Parrinder, 1961: 148); pelos Fọn, do Daomé (hoje Rep. do Benim), que a denominam Fa (Hersko‐vits, 1938: 201—230; Maupoil, 1943); e pelos Ewe, do Togo, que a conhecem por Afa ( Spieth, 1911: 189—225). 

Os descendentes dos escravos Iorubá em Cuba (Bascom, 1952: 170—176) e no Brasil (Bastide, 1958: 104—109). Os Fon e os Ewe reconhecem como local de sua origem a cidade iorubá de Ifé, de onde os próprios iorubá asseveram haver—se ela expandido. Foi em Ifé que os versos Ifá, apresentados na parte II, foram re‐gistrados e que a sistemática da divinação foi estudada com o maior detalha‐mento. Quando informações se baseiam em pesquisas de campo realizadas em outras áreas do território iorubá ou retiradas da literatura, haverá indicações específicas a respeito.
A divinação Ifá pode estar sendo praticada mais amplamente do que o indicado acima. Thomas (1913‐1814: I, 47) relata enigmaticamente que os Ibo, da Nigéria oriental, “têm também a conhecida divinação com castanhas de palmeira”. Os Kamuku e os Gbari ou Gwari são povos vizinhos na província de Níger, ao norte da Nigéria. Entre os Kamuku, “para predizer o futuro, ervilhas são agitadas dentro duma carapaça de tartaruga e depois apanhadas dentro da mão direita ou esquerda. elas são então contadas e, conforme fiquem na mão em número par ou ímpar, um sinal é feito no chão. Este procedimento é repeti‐do oito vezes e se chega a uma significação de acordo com a combinação” (Tem‐ple and Temple, l9l9: 210). “Divinação com ervilhas e um casco de tartaruga é comum entre muitas tribos, notadamente os Gwari. As ervilhas são sacudidas dentro do casco da tartaruga e, depois, colhidas na mão. Conforme o seu núme‐ro seja par ou ímpar, uma marca é feita no chão e, ao final, mediante a combina‐ção das várias marcas de par ou ímpar, uma significação é obtida” (Meek, 1925: II,70). Os Gbari praticam igualmente a mui difundida forma islâmica conhecida por cortes na areia (sand cutting) (Temple and Temple, 1919: 210), a qual será dis‐cutida mais à frente, neste capítulo.
O que pode constituir o primeiro relato a respeito da divinação Ifá da costa daquele território que hoje é Gana, em uma descrição fornecida por Bosman, que lá serviu na qualidade de feitor para os holandeses em Elmina e Axim, durante 14 anos, ao fim do século XVII. Depois de primeiro discutir um método de divinação no qual “cerca de vinte pedacinhos de couro” são suados, Bosman (1705: 152) diz que “a segunda maneira de consultar os ídolos deles é por meio de uma espécie de castanhas selvagens que eles fingem levantar por acaso e as deixam cair novamente, após o que eles as contam e preparam suas previsões dependendo se seu número for par ou ímpar”.

ILUSTRAÇÃO 1 – AS 16 FIGURAS BÁSICAS DE IFÁ
A‐ EMPREGANDO 16 AMÊNDOAS DE PALMEIRA
ỌGBÊ
OYEKÚ
IWÓRI
EDÍ
OBARÁ
OKANRÁN
IRÓSUN
ỌWÓRIN
I
II
II
I
I
II
I
II
I
II
I
II
II
II
I
II
I
II
I
II
II
II
II
II
I
II
II
I
II
I
II
I
9
10
11
12
13
14
15
16
OGUNDÁ
OSÁ
IRETÊ
OTURÁ
OTURUKPON
IKÁ
ỌȘÉ
OFÚN
I
II
I
I
II
II
I
II
I
I
I
II
II
I
II
I
I
I
II
I
I
II
I
II
II
I
I
I
II
II
II
I
B‐ EMPREGANDO A CORRENTE DIVINATÓRIA
1
2
3
4
5
6
7
8
ỌGBÊ
OYEKÚ
IWÓRI
EDÍ
OBARÁ
OKANRÁN
IRÓSUN
ỌWÓRIN
OGUNDÁ
OSÁ
IRETÊ
OTURÁ
OTURUKPON
IKÁ
ỌȘÉ
OFÚN Outro antigo relato vem de Assinie, no canto sudeste da Costa do Marfim, ainda mais afastado a oeste 1. Loyer (1714: 248‐249) descreve um méto‐do de consulta aos deuses que envolvem a movimentação de caroços de palmei‐ras (noyeaux de palmistes) que são retirados de uma tigela de madeira ou cobre, fazendo com o dedo marcas em pó de madeira sobre uma tábua, com um pé de comprimento por meio de largura (30 cm X 15 cm) e escolhendo dentre alguns objetos que um assistente mantém em mãos e que representam o bom e o mau resultado da consulta 2. A literatura recente não registra divinação Ifá a oeste do Togo 3. Hamilton narra um sistema de divinação observado em Siwah 4, no Saa‐ra , que é “denominado “Derb er raml” ou “Derb el ful”, conforme o meio empre‐gado, se areia ou se favas; neste último caso (com as favas) é mais simples, em‐bora ambos sejam, em princípio, iguais. Sete favas são retidas na palma da mão esquerda que leva uma hábil pancada do punho direito semi‐fechado, de tal modo que algumas favas saltam para dentro da mão direita ‐ se em numero ím‐par, é assinalada uma marca, se par, duas. As favas são repostas na mão es‐querda, que é, de novo, golpeada pela direita e o resultado registrado abaixo da primeira marca. Repetindo‐se isto quatro vezes, obtem‐se a primeira figura, e a operação é realizada até que se tenha obtido quatro figuras que são colocadas lado a lado, em um quadrado; elas são, então, lidas verticalmente e perpendicu‐larmente (sic!) e também de um canto para o outro, por isso mesmo dando dez figuras no total. Como cada uma pode conter quatro números ímpares e quatro pares, elas são suscetíveis de 16 permutações, cada uma das quais com um sig‐nificado isolado e uma casa própria, ou seja, uma parte do quadrado na qual deveria surgir.

O “Derb er raml” apenas se distingue desse pelo fato de ser mais complicado, novas combinações sendo obtidas mediante a adição de cada par de figuras”. (Hamilton, 1856: 264‐265, citado por Ellis, 1894: 63).
1 Assinie, cidadezinha 1itorânea, fica mais próxima da fronteira com Gana – a leste da Costa do Marfim – mas bem a oeste do território Iorubá. (N do T)
2 ) Fui incapaz de localizar o original mas a passagem é citada inteira por Maupoil (1943: 45) e por Labouret e Rivet (1929: 28) e rapidamente citado por Parrinder (1949: 161;1961: 146). Tauxier (1932: 151) e Maupoil data a visita de Loyer ao redor de 1700; Bosman (1705: 17) esteve em Gana em 1690. Para o uso de objetos repre-sentando o bem e o mal, ver o Capítulo V.
3 Field (1937: 40) rElạta sobre os Gan, da Gana costeira:”Ali também se uniu a Labadi, em época in-certa, uma colônia Ewa, vinda de Little Popo, venerando seu próprio deus Okumaga”. Elạ não fornece pormenores acerca da natureza dessa divindade, mas conforme registrou Parrinder (1949: 156), ogu-maga é o nome Fon para a corrente divinatória, ou agunmaga secundo nota Maupoil (1943: 196).
4 Siwah, oásis situado no extremo noroeste do Egito, quase junto à fronteira com a Líbia – bacia mediterrânea. (N do T)

Usando quatro ao invés de duas figuras básicas e ao fazer uma linha para um número ímpar de favas e duas linhas para um número par, o “Derb el ful” mais se assemelha aos talhos na areia islâmicos que à divinação Ifá.
Segundo Frobenius (1924b: 61‐62), adivinhos entre os Nupe, que vi‐vem precisamente ao norte do território iorubá, do outro lado do rio Níger, u‐sam um cordão (ẹbba), de oito pedaços de cabaças ou, por vezes, duras cascas de frutas, amarradas juntas, correspondendo à corrente divinatória iorubá. En‐tretanto, Nadel (1954: 39) descreve “ẹba” como uma série de oito cordões de quatro metades de shea nut ou do dompalm kernel.
Os Jukun, do leste da Nigéria, empregam um par de cordões ou cor‐rentes (nọkọ) 5, cada um dos quais é composto de quatro pedaços de cabaças, metal ou nozes de esterco de elefante. São equivalentes às duas metades do cor‐dão divinatório Ifá. O instrumento divinatório (agbandi) dos vizinhos Tiv são feitos com pedaços da casca dos caroços da nativa manga (ive) e são 0idênticos aos usados pelos Jukun e todas as tribos das redondezas, até possivelmente mais abaixo dos rios Cross” 6 (Downes, 1933:59).
Parrinder (1961: 140) menciona o uso desse instrumento entre os Ibọ assim como o uso de quatro cordões análogos. De acordo com Mansfeld (1908: 176), os Ekọi, da região do rio Cross, também empregam duas correntes (ewu), cada um montado com 4 meias sementes de manga; segundo Talbot (1912: 174‐175), eles usam 4 desses cordões, conhecidos como ebu ou efa. Os dados são ex‐cessivamente escassos para permitirem quaisquer conclusões confiáveis mas e‐xiste evidência suplementar de que há uma distribuição ainda mais ampla das 16 figuras básicas.
Divinação com quatro cordões, de quatro marcadores cada con‐forme mencionado por Parrinder e Talbot, é um sistema relacionado embora se‐parado, por sinal também conhecido dos iorubás. Envolve as mesmas 16 figuras básicas e, por vezes, chega a ser denominado de Ifá, mas o método de interpre‐tação é diferente, sendo caracterizado como ạgbigbạ ou ạgbạgbạ. Versos curtos, comparáveis às frases introdutórias dos versos de Ifá, são associados às figuras. Ogunbiyi (1952: 50,63) ilustra Ạgbigbạ com dois cordões, tal como a corrente divinatória Ifá (opèlè), lançada lado a lado. Os conjuntos Ạgbigbạ que vi eram formados por 4 cordões separados, com 4 marcadores cada mas, de novo, não
5 Numa publicação anterior, Meek (1925: II – 70) mencionou 6 cordas mas isso é corrigido em Meek (1931:326-327) aqui citado e em MEEK (1937: 82), e é mencionado corretamente por Frobenius (1924a:236).
6 rio Cross, extremo leste nigeriano, próximo aos Camarões.(NdoT) Não tem significado prático algum, se dois estão unidos ao alto ou não, conforme mostrado pela linha pontilhada na ilustração 1, C. Com efeito, ạgbigbạ é um opèlè duplo ou noko Jukun e metade de um “aba” Nupe. Entre os Igbira, os a‐divinhos agbigba também produzem uma figura quádrupla marcada em uma “tábua Ifá” (Ifápako, Ifá apako), por meio de manipulação de 16 sementes ayo ou uarri (Caesalpinia crista), ao invés dos coquinhos.

A ordem das figuras básicas difere nitidamente da de Ifá mas seus nomes estão claramente relacionados entre si. Listando as figuras na ordem for‐necida por um adivinho Ạgbigbạ, em Ifé, e numerando‐as de acordo com a or‐dem mais comum das figuras de Ifá (Ilustração 3, B, abaixo), a ordem para ag‐bigba é a seguinte : 1, 2, 8, 7, 11, 12, 3, 4, 13, 14, 15, 16, 10, 9, 5, 6. Duas figuras tem nomes diferentes, como no caso de Oyinkah para Iká e Otaru para Otu‐rukpon; dois tem nomes semelhantes, como Ọji para edí (também conhecida por Odí) e Osá para Ọsá; algumas tem nomes idênticos como no caso da Oye‐kú, Obará, Oturá, Iretê e Ofún; e algumas tem idênticos nomes alternativos, como Osiká ou Ọgbê, Ogori ou Iwóri, Okona ou Okanran, Orosun ou Irosun, Oga ou Owonrin, Oguntá ou Ogundá, e Okin ou Oșé. A ordem das figuras e o método de interpretação diferem mas a semelhança entre os nomes para essas figuras e o aparato sugerem igualmente um relacionamento histórico com Ifá.
Ạgbigbạ, entre os iorubá, mostra—se estar confinado aos Yagba e io‐rubá, um sub—grupo nordestino, embora adivinhos Yagba exerçam suas práti‐cas em muitas cidades Iorubás. Quatro correntes divinatórias desse tipo são co‐nhecidas por afa, aha ou efá, entre os Ibo; por afa entre os Ekoi; por eba entre os Idoma; por eva entra os Isoko edu e por Ogwega entre os Benin edu, bem como, obviamente, por nomes não relacionados, nestas e noutras sociedades ni‐gerianas; mas a distribuição deste método não precisa ser pormenorizado aqui. É suficiente dizer‐se que ela é conhecida em partes do norte da Nigéria e até o leste e o sul do que foram os Camarões britânicos e que Talbot (1926: II: 186) conclui: “O sistema Aupele, porém com 4 cordões ao invés de 2, e com 4 peças de cada cordão montadas geralmente com sementes de manga brava (selvagem ‐ Irvingia Barteri), é o que é usado por quase todo o sul da Nigéria”.
A significação destas 16 figuras básicas estenda‐se para muito além do território iorubá e de seus vizinhos. elas são obtidas na divinação Sikidy, na República Malgaxe, tanto por meio da manipulação de sementes quanto pelo difundido método dos “cortes na areia”. Este último envolve a feitura, ao acaso, de um número de marcas na areia ou pó, cancelando as duas a duas até que restem apenas uma ou duas, dai desenhando‐se uma linha única ou dupla. Em Si‐kidy, tal como em Ifá, uma linha dupla é feita caso uma só marca permaneça, enquanto uma linha única se restarem duas marcas. Repetindo quatro vezes es‐se procedimento resulta em uma das 16 figuras básicas.
Já o corte na areia é uma difundida forma de Geomância, praticado em muitos agrupamentos muçulmanos no oeste e no norte da África. Suas se‐melhanças com o Fa daomeano e o Ifá iorubá foram notadas por Fisher (1929: 67‐73), Monteil (1932), Trautman (1940), Echildo (1940: lCC‐164), Maupoil (1943: 49‐51), Jaulin (1966: 156‐159) e outros, citando análogos praticados na Europa, Pérsia e Índia. Já em 1864, Burton havia percebido analogias entre o Fa daomea‐no e “a geomância dos gregos, muito cultivado pelos árabes com a denomina‐ção Alraml, “a areia”, porque as figuras eram moldadas sobre o chão do deser‐to. “O Livro do Destino de Napoleão” é um notável espécime de vulgarização européia e moderna” (Burton, 1893: 1, 222). Napoleão, ao retornar da Europa, trouxe um manuscrito achado no alto Egito por M. SỌnini, em 1801, e subse‐qüentemente publicado sob esse e outros títulos em uma dúzia ou mais edições, desde por volta de 1820 até cerca de 1925 (Napoleão, s.d.).
Entre os lorubá, o corte na areia (iyanrin tite) é praticado por adivi‐nhos muçulmanos conhecidos por alufa. Chamam‐no de Hati Ramli, ou “Atimi” em lorubá, distinguindo‐se do Ifá. Os nomes da 16 figuras básicas (Al Kauseje, Alahika, Otuba, dahila, etc.) diferem claramente das de Ifá mas correspondem aquelas contidas no livro árabe de Muhammed Ez Zenati e a ordem na qual essas figuras forem fornecidas por um alufa em Meko, ele próprio um nativo de Zaria, é idêntica à listada por Ez Zenati 7. Não pode restar dúvida alguma de que há uma relação histórica de Atimi com a geomância islâmica mas provavelmente é uma introdução recente entre os iorubá, os quais estiveram em guerra contra seus vizinhos muçulmanos, ao norte, ao longo de quase todo o século passado. De novo: listando‐se as figuras na ordem registrada em Meko e numerando‐se elas segundo a ordem mais comum para as figura de Ifá (I1ustração 3,B), eis a ordem Atimi: 14, 7, 10, 12, 1, 15, 11, 8, 5, 4, 3, 6, 9, 13, 16, 2. É completamente dis‐crepante com ambas ordens de divinação, da Ifá e da Ạgbigbạ.
Burton, Maupoil e outros concluíram que Fa e Sikidy derivam da geomância islâmica ou do métodos anteriores não‐africanos de divinação. O ob‐
7 Monteil (1932: 89-90). Beyioku (1940: 34-35) e Ogunbiyi (1952: 84-88) simplesmente listam os no-mes na ordem das figuras de Ifá.
IFÁ DIVINATION –WILLIAM BASCON 8.
jetivo não é negar uma relação histórica entre as muitas modalidades de divina‐ção que empregam 16 figuras básicas nem tampouco tentar determinar a ordem definitiva de Ifá. Essas questões requerem muito mais elementos do que as dis‐poníveis hoje em dia. Entretanto, como outros autores já enfatizaram, as seme‐lhanças entre os dois métodos, incluindo o fato de que as figuras são “lidas” da direita para a esquerda, alguns pontos de diferença podem ser mencionados.
Entre os iorubá e os Nupe, da Nigéria (nadel, 1954: 57), os Sara, do Chade (Jaulim, 1957: 45, fig.1), os Teda, de Tibetsi (Kronenberg, 1958: 147) e os Fulani, de Macina (Monteil, 1932: 96, fig.8), por ocasião do cancelamento das marcas casuais nos talhos de areia, uma linha única é feita caso reste uma só marca e uma linha dupla se ficarem duas: isto é o contrário de Ifá e Sikidy. As 16 figuras básicas têm uma ordem muito diferente nomes inteiramente diversos. Uma figura quadrupla é obtida (como em Ạgbigbạ), a qual lida de través a fim de dar uma segunda figura quádrupla, e figuras adicionais são derivadas por meio decomputações complementares 8, ao invés de interpretar a dupla figura como nas duas metades da corrente divinatória Ifá. Ifá não é associada com as‐trologia, conforme Burton primeiro observou, mas antes com uma série de ver‐sos e histórias memorizados e dos quais depende a interpretação deles.
TIPOS DIVERSOS DE OPÈLÈ IFÁ
A geomância muçulmana não tem versos, pelo menos não como praticado pelos alufa entre os iorubá, conforme confirma Ogunbiyi (1952: 83‐84); ele declara também que não existem sacrifícios (ebó), tão importantes em Ifá. O método do risco na areia difere do jogo da corrente ou da manipulação e co‐quinhos; mas envolve a questão de números ímpares e pares e se deveria recor‐dar que, no oásis de Siwah, entre os Gbari e na ilha malgaxe tanto o risco na areia quanto a manipulação frutos de dendê, ambos são praticados. Isso também é
8 Cf. Nadel (1954: 54-61). O procedimento é semelhante entre os iorubás válido entre os iorubá mas só que aqui os cortes na areia são um sistema distin‐to de divinação e, com toda probabilidade, se trata de uma introdução muito recente.
A identidade das 16 figuras é uma necessária e inevitável decorrên‐cia de três princípios: 1) as figuras envolvem 4 elementos; 2)cada uma delas po‐de tomar duas formas diferentes; e 3) sua seqüência tem uma significação. Da‐das essas regras, 16 — e apenas 16 — figuras básicas são possíveis. Em conse‐qüência, esta identidade constitui, em si mesma, apenas três pontos de similari‐dade, ao invés de 16, e dois desses princípios são compartilhados com outras formas de divinação amplamente difundidas na África. As duas primeiras re‐gras caracterizam os métodos comuns africanos de divinação, também pratica‐dos pelos iorubá, de arremessar quatro conchas de cauri, ou quatro pedaços de cola ou uma amarga noz de cola. Cada uma delas pode cair de cara para cima ou para baixo, mas uma vez que a seqüência não é controlada, apenas cinco configurações são possíveis: 4, 3, 2, 1 ou O caem de cara para cima.
Bem que se poderia controlar a seqüência em que os quatro caurís são “lidos”, arremessando‐os um de cada vez. Poder‐se‐ia também atá‐los a um cordão o que é, essencialmente, o que se faz no caso da corrente divinatória Ifá. Também se poderia controlar a seqüência usando‐se quatro moedas diversas — um penny, um níquel, um “dime” e um “quarter” _ arremessando‐se juntas, de uma só vez, mas lendo as caras e coroas nessa ordem. Na verdade, é isso o que se faz na divinação Hakata dos Karanga, Zezeru, Korekore e outros sub‐grupos Shona, alguns grupos bosquímanos, e os Venda, Ila, Tonga, Pedi, Leya, os rode‐sianos Ndebele, além de outros povos da África meridional. Aqui, quatro peda‐ços de osso ou madeira, com marcas distintivas, são identificadas como homem, menino, mulher e menina, e lidas caras a coroas nesta ordem. Aqui resultam novamente 16 configurações, que podem ser equiparadas àquelas marcadas com linhas simples ou duplas.
O sistema chinês de I Ching envolve o segundo e o terceiro princí‐pios enunciados acima assim como configurações compostas por linhas simples e duplas. Como é, entretanto, baseado em três elementos ao invés de quatro, e‐xistem apenas oito figuras básicas eu “trigramas” e 64 configurações derivadas eu “hexagramas”, enquanto Ifá e outros sistemas africanos envolvem 16 “qua‐drigramas” e 256 “octogramas” derivados. As figuras I Ching são obtidas por meio do lançamento de três moedas ou pela manipulação de quarenta e nove talos de mi
do, relembra o traço na areia muçulmano (Wilhelm and Cary, 1951: I 392—395). Em localidade tão afastada como a Micronésia, um sistema de divinação com nós, que também se baseia na contagem de quatro em quatro, resulta em 16 con‐figurações fundamentais e 256 derivadas (Lessa, 1959: 194—195).
Nomes relacionados com aqueles das configurações de Ifá também são utilizados para uma série diferente de figuras em ainda outro sistema ioru‐bá da divinação (owo merindinlogun), no qual 16 caurís são jogados ao solo. Como no lançamento de 4 caurís, n+1 figuras são possíveis porque seqüência não tem significação alguma; neste caso, há 17 configurações, de zero a 16 caurís abrindo suas bocas para cima. Algumas delas são conhecidas por nomes das fi‐guras básicas de Ifá, como Odí ou Edí, Irosụn, Ọwónrin, Ọkanran, Ogundá, Ọsá, Oșé e Ofún; e algumas têm os nomes de figuras derivadas, tais como Eji Ọgbê e Ọgbêșé (Ọgbê Oșé). Uns tantos nomes empregados neste sistema tam‐bém são utilizados para designar as cinco configurações do lançamento de 4 caurís. Como em Ifá, as 17 figuras são associadas com os versos memorizados que contêm mitos e contos populares que auxiliam em sua interpretação. Este método é considerado por muitos iorubá como derivado de Ifá, inclusive os a‐divinhos de Ifá, os quais citam um mito de acordo com o qual o método é base‐ado naquilo que a deusa dos rios Oxun aprendeu a cerca de divinação enquanto vivia com Ifá.
Dentre todos os métodos dedivinção empregados pelos Iorubás,Ifá era considerados como o mais importante e confiável. A honestidade ou o co‐nhecimento do babalawô pode ser questionado mas a maioria é altamente esti‐mada e raramente se duvida do sistema em si. O número de babalawô é um re‐flexo do apoio que recebem e uma medida da influência que exercem. Compa‐rativamente, fora da área Yagbá, apenas ocasionalmente existem adivinhos Ag‐bigda entre os iorubá. Enquanto Ifá é aberto para todo o público no sentido de que os babalawôs são consultados pelos devotos de qualquer idade, a divinação com 16 caurís é usualmente realizada em ocasiões rituais, no seio de cultos de divindades específicas. Isto é também válido em relação a divinação com qua‐tros curis,quatro pedaços de cola de nozes,ou quatro pedaços de cola amarga: e estes três métodos restrigem‐se aquilo que podem prever, em primeiro lugar porque lhe faltam os versos associados com Ifá e o arremesso de 16 caurís. Desde o fim das guerras iorubá contra vizinhos mulçumanos no século passado, número de alufas islâmicos tem aumentado mas não se compara ao número de babalawô, ou outros adivinhos são usualmente consultados para interpreta‐los em tempos recentes, diversos livros de sonhos tem sido publicados. Declarações
proferidas por indivíduos enquanto possuídos por umadas divindades são con‐sideradas importantes mas a possessão é menos difundida e menos frequente do que a divinação de Ifá. Hidromancia e alguns outros métodos de divinação também são praticados pelos Iorubás, mas comparados com Ifá tem significação negligenciável.
O verdadeiro núcleo da divinação Ifá encontra‐se nos milhares de versos memorizados por intermédio dos quais as 256 configurações são inter‐pretada, embora sua significação não tenha sido apreciada convenientemente. Do mesmo que para o funcionamento do sistema de Divinação esses versos são de longe de muito maior importância do que as próprias figuras ou até mesmo as manipulações das quais são derivadas. Os versos formam um estrutura da arte verbal, incluindo mitos, contos louvações, magias (encantamentos), e can‐ções até menos mistérios ou enigmas, mas para os Iourbás o mérito literário ou estéticos é deles é secundários quando comparado á sua significação religiosa.
Os versos incorporam mitos, recontando as atividades das divinda‐des e justificando por menores de ritual, sendo freqüentemente citados a fim de clarificar um ponto controverso de teologia . Espera‐se que um babalawô co‐nheça um número maior de versos do que os outros adivinhos iorubá, e ele é aceito com autoridade religiosa Iorubána. Trata‐se de um profissional cuja ati‐vidade implica ter conhecimentos acerca de todas as divindades e não mera‐mente aquela que ele, pessoalmente, reverencia. Êle funciona para o grande pú‐blico e é consultados pelos devotos de vários deuses diferentes dos Iorubás e também pelos muitos mulçumanos e cristãos convertidos.
O babalawô é o ponto central da religião tradicional Iorubána, ca‐minhando sacrifícios e devotos para diferentes cultos, recomendado sacrifícios aos mortos ou elementos para lidar com feiticeiras e abiku (crianças que não de‐sejam viver) e preparando magias protetores ou retaliatórias. Ele ajuda seus cli‐entes a tratar com o amplo espectro de impessoais ou persỌnificadas forças em que os iorubá acreditam e a consumarem os destinos individuais que lhes foram consignados desde o nascimento. Uma indicação da importância de Ifá para o sistema religioso como um todo reside no fato de que os mais notáveis sincre‐tismo religiosos resultantes do contato Europeu são encontráveis em um igreja fundada em Lagos, em 1934, A Ijọ Orumila Adulawọ, baseada na premissa de que os pensamentos iorubá se constituem na Bíblia iorubá.
As regras divinatórias Ifá podem ser definidas tão precisamente quanto as dos mais simples métodos que empregam 4 ou 16 caurís. Em muitos outros tipos de divinação, na África e em outros lugares o elemento subjetivo na interpretação abre espaços para disputas até mesmo entre adivinhos. Isso pare‐cia ser verdadeiro na queda de ossos ou de outros objetos divinatórios em ter‐mos de suas posições relativas, dos ângulos em que se protraem de orifícios em que são enfiados em articulações ósseas do traçado de linhas em omoplata ra‐chadas pelo fogo, da conformação das entranhas das aves e de outros animais, que assim como dos padrões das folhas de chá ou das linhas das mãos. Na cres‐ta‐lo ou hidromancia, onde ninguém pode confirmar ou contra dizer aquilo que o adivinho assegura enxergar, e em trabalhos xamanísticos ou estado de posses‐são,nos quais espírito familiar ou divindade fala apenas para ou através de seu médium, interpretações não são suscetíveis de verificação em pelos próprios cli‐entes nem por outro adivinho.
Em contraste com isso, o babalawô segue um sistema regular de normas e qualquer desvio delas é criticado por seus colegas e condenado por seus clientes. Pelo menos as regras elementares são de conhecimento de seus consulentes habituais e, mesmo quando não são conhecidas, os clientes estão municipados com reconhecidas técnicas para impedir que um babalwô, se afas‐te das regras e utilize seu conhecimento pessoal sobre os assuntos de sua inti‐midade em proveito próprios ou de terceiros. Um cliente sequer precisa revelar ao adivinho a natureza do problema que o leva a buscar seu aconselhamento. Em vista deste fato, algumas das primeiras descrições de Ifá que se fizeram são divertidos reflexo de ingenuidade, dos preconceitos e das superstições dos ob‐servadores que fizeram os registros.

II‐ ESTUDOS ANTERIORES
As duas mais antigas descrições que se conhecem da divinação de Ifá, entre os Iorubás, datam do mesmo ano. Falando das deidades iorubás, Tucke r(1853:33) diz: ”Uma das principais entre elas é Ifá, o deus das amêndoas das palmeiras, a quem eles atribuem poder de cura e a cujos sacerdotes recorrem em momentos de enfermidades. Nessas ocasiões, os amigos do sofredor arru‐mam um carneiro ou um bode para sacrifício enviam ao babalawôs ou sacerdo‐tes, que inicia a cerimônia traçando um número de insólitas figuras com giz so‐bre uma parede. Toma depois de uma cabaça lá dentro coloca alguns caurís ou amêndoas de palmeira e a pousa em frente as figuras desenhadas, realiza suas magias, as quais se julga irão persuadir o deus a penetrar nas sementes ou caurís. O sacrifício é, então realizado, a garganta é secionada e o sacerdote asperge um pouco do sangue sobre a cabaça e a parede. Em seguida ele lambuza com o líquido toda a testa do doente desse modo, como imaginam, transferindo a vida da criatura para o interior do paciente”.
Irving(1853:233) diz:” Ifá, deus das amêndoas de palmeira ou deus da divinação, é julgado superior a todo o resto. É consultado a propósito de qualquer empreendimento seja a partir para uma jornada, ou, seja para entra em um negócio seguir para uma guerra ou um expedição de seqüestro, para ca‐so de doença, em suma, em qualquer oportunidades onde e existe uma dúvida perante o futuro. A ele são dedicadas amêndoas de palmeira e por meio delas é oráculo consultado. Vários atos de adoração e prosternação, tocando as amên‐doas com a testa e etc.., iniciando a performance. O babalawô então, segurando as amêndoas 16 no total, com a mão esquerda agarra quantas pode com a direi‐ta e de acordo com o número há certas regras para isso, é óbvio a resposta é fa‐vorável ou não um pedaço de pau com entalhes é mantido como registro e o re‐sultado tornado público. Utensílios de louças de barro, segurados por circuns‐tantes e são também introduzidos no processo. Caso a resposta seja desfavorá‐veis, em sacrifício terá de ser feito e, nessas circunstâncias, rapidamente se de‐duzirá que a resposta é freqüência desse molde”.
Cotejado com relatos posteriores, que tão comumente repetem equí‐vocos anteriores, a declaração de Irving é notável por sua precisão. A descrição da manipulação das 16 amêndoas está correta, e as peças de barro seguras por assistentes são imediatamente reconhecíveis como uma referência à escolha en‐tre alternativas específicas, discutidas no capítulo V.
Habitualmente em bom observador, Bowen (1857:317) narra apenas brevemente: ”O próximo e último Orixá que devo registra é o grande e univer‐salmente respeitado Ifá, aquele que revela segredos e é guardião do matrimônio e do nascimento de crianças. Este deus é consultado por intermédio de 16 a‐mêndoas de palmeira. A razão para tal não é indicada mas 16 pessoas fundaram iorubá, a semente que trouxeram produziu uma árvore com 16 galhos e diz‐se existir uma palmeira com 16 galhos no monte Adó, que é a residência do sacer‐dote de Ifá. A adoração a Ifá é um mistério em que somente homens são inicia‐dos. Tampouco eu fui capaz de recolher maiores informações a respeito da na‐tureza o ídolo e das cerimônias em que é venerado.”
Mais tarde, Bowen (1858: XVI) acrescenta que Ifá ! é denominado Banga, o deus das amêndoas de palmas.” Banga significa “cabeça” (copa de ár‐vore?) ou cacho de frutos da palmeira oleaginosa (cacho dendezeiro?) mas seu uso como um nome para Ifá não é confirmado por informantes; Daziel(1937:449) concorda: “A palavra não parece ser tão usada assim, presentemente”.
Campbell (1861: 75‐76) “Ifá, uma de suas divindades inferiores, é muito procurado como oráculo. Conta com numeroso corpo de sacerdotes, os quais obtém grandes lucros decorrentes de oferendas feitas ao deus, a fim de induzir respostas favoráveis. Ele é consultado por meio de uma espécie de tabu‐leiro de xadrez, recoberto de pó de madeira, sobre o qual o sacerdote traça pe‐quenos quadrados. A parte que consulta o deus passa às do adivinho 16 amên‐doas de palma consagradas, sementes que todos os devotos de Ifá trazem con‐sigo, permanentemente. Ele, então, as lança de uma pequena urna, de onde tira algumas, sendo o número deixado ao acaso, e, também ao acaso, as dispõe so‐bre o tabuleiro e, da ordem que tomam, determina primeiro se a oferenda deve‐rá ser um bode, um carneiro ou outra coisa; em seguida, se assegura de que o deus está satisfeito com o que lhe é ofertado; se não, ele prossegue a manipula‐ção para se certificar de que um par de pombos ou galináceos deveriam ser a‐crescentados. Assim, assentados os entendimentos preliminares, ele entra no seu negócio, o tempo todo mantendo uma conversa fácil e desembaraçada com o cliente, através da qual ele se assegura de averiguar o tipo de respostas mais bem‐vindo.”
Esta inexata descrição é parafraseada muitos anos mais tarde por Stone (1899: 88‐89), o qual não fez caso daquilo que Burton, Baudin e Ellis, nesse ínterim, haviam dado como contribuição: “Todos os devotos daquele deus tra‐zem consigo 16 amêndoas consagradas de palmeira. O sacerdote as toma nas mãos e as coloca numa urna de madeira. Apodera‐se, depois, de algumas, ao acaso, e as espalha a esmo sobre um tabuleiro recoberto de pó de madeira e demarcado por pequenos quadrados. Da posição que elas tomam sobre o tabu‐leiro, o sacerdote pretexta poder descobrir que tipo de sacrifício Ẹfa exige. Esta cerimônia é repetida para se decifrar se uma galinha ou alguma outra coisa de‐verá ser adicionada à primeira para ser oferecida em sacrifício. Nesse ínterim, o sacerdote fica falando com a pessoa que consulta o oráculo e descobre muito bem que tipo de resposta é desejada. Por vezes, o requerente quer que ele inter‐prete um sonho ou o assista num negócio ou numa iniciativa matrimỌnial. Saerdotes de Ẹfa são muito numerosos e despojam as pessoas de muitos de seus rendimentos”.
Aquilo que poderia ser denominado de versão “standard” da divina‐ção Ifá, conforme dada mais recentemente por Abraham (1958) e Lucas (1949), re‐cua através de Farrow (1926) e Dennett (1910) até J. Johnson (1899) e, antes disso, por meio de Ellis (1894) até Baudin (1885) e os trabalhos de Burton no Daomé (1864) e a respeito dos Iorubá (1863).
Burton (1863: I, 189‐190), após parafrasear Bowen, acrescenta: “Os sa‐cerdotes são conhecidos por seus colares de contas, pequenos cordões torcidos conjuntamente, com dez grandes contas brancas e verdes, afastadas entre si por algumas polegadas. Eles oficiam de branco e usam constantemente um espanta‐moscas. Sendo sua divindade denominada Bángá, deus das amêndoas de pal‐meira, eles escolhem para símbolo divino aquelas sementes que são placentá‐rias, dispondo de quatro orifícios. A operação de tirar a sorte é intrincada e va‐riavelmente descrita por diferentes observadores: par ou ímpar e cara ou coroa parecem ser os princípios determinantes.
O sacerdote traz suas amêndoas dentro de um chifre de rinoceronte, do norte do país. Segurando as 16 unidades em sua mão esquerda, ele as apre‐ende ao acaso – como nós fazemos em um “bean club” – com a direita, e a opera‐ção é repetida até que restem duas, chamadas “ofú, ou uma, “ossá”. A amêndoa escolhida é, então, rolada com o dedo médio, ou no chão ou sobre uma bandeja, embranquecida com o pó produzido pelos cupins. Finalmente, é marcada com certas linhas que, decidindo o valor e a natureza do sacrifício, alcançam o suces‐so.
Um velho sacerdote convertido realizou dessa maneira a cerimônia em minha presença. Ele contou 16 sementes, livrou‐as do pó e as colocou numa tigela no chão, já cheia de inhame semi‐cozido, amassado e coberto com alguma infusão vegetal picante. Seu acólito, um meninote, foi então chamado e feito a‐gachar‐se próximo à tigela, ficando seu corpo acima da borda externa de seus pés, os quais permaneceram voltados para dentro, bem como tomar do homem‐fetiche dois ou três ossos, nozes e conchas, alguns desses elementos significando bons presságios, outros maus. Erguendo‐os, pousou suas mãos sobre os joelhos. O iniciado arremessou as amêndoas de uma mão para a outra, retendo algumas na esquerda e, enquanto as manipulava, fez cair outras dentro da tigela. Depois curvou‐se, com os dedos indicador e médio desenhou linhas no inhame, inspe‐cionou as sementes e, de quando em vez, referiu‐se às coisas seguradas pelas mãos do menino. Desse modo, estava ele capacitado a emitir uma opinião sobre aquilo que iria acontecer no futuro.
Não posso elogiar‐me com o fato de o modus operandi se haver ficado inteligível para o leitor, em virtude da melhor das razões – nem eu entendi di‐reito. O sistema é, de longe, bem mais simples no Daomé e, mais tarde, talvez conseguirei explicá‐lo”.
E este Burton o fez, no ano seguinte, esclarecendo em uma nota de pé‐de‐página que “quando a sorte é consultada, as 16 amêndoas são lançadas da mão direita para a esquerda; se uma delas fica para trás, o sacerdote faz duas marcas; se duas, uma só (pode ocorrer o contrário, como no caso da geomancia européia ou asiática); e, desse modo, as 16 matrizes são formadas” (Burton, 1893: I, 220). Burton foi o primeiro a registrar as figuras de Fa e seus nomes (em Fon), referindo‐se às figuras casadas como as 16 “mães” e às combinações como seus filhos; mas não existe evidência alguma de que o Fa daomeano seja mais simples do que o Ifá iorubáno.
Baudin (1885: 32‐35) parafraseia Bowen e depois acrescenta diversos mitos de Ifá e outros dados de próprio punho: “Quando eles desejam consultar o destino ou realizar uma grande festa cerimỌnial em honra a Ifá, no arvoredo consagrado a este deus, a mãe ou a esposa daquele para quem o deus é consul‐tado carrega dentro de um pedaço de pano, às costas, as 16 amêndoas sagradas e o sacerdote‐feiticeiro, antes de começar a ceimônia, saúda Orungan e sua es‐posa dizendo Orungan ajuba ô! (Orungan, eu te saúdo.) Orichabii ajuba ô! (O‐richabii, eu te saúdo.).
Depois então o sacerdote oferece sacrifício para Ifá, de quem as tâ‐maras 9 são o símbolo. Finalmente, ele pousa diante do deus um pequeno tabu‐leiro sobre o qual estão 16 configurações, cada uma tendo certo número de pon‐tos. Essas figuras são muito semelhantes às cartas usadas por ledores de sorte. Os sacerdotes‐feiticeiros as usam quase da mesma forma, revelando ao bel‐prazer boa ou má‐sorte, de acordo com o que consideram vantajoso para me‐lhor ludibriar o tolo que os vem consultar. Quando encontrada a figura deseja‐da, ele começa a explicar se o empreendimento em questão estará fadado ao su‐cesso ou não, os sacrifícios a serem oferecidos, as coisas a serem evitadas. Bem se compreende que, quanto mais alto o preço pago, maior a inspiração do sa‐cerdote‐feiticeiro, pois há jogos grandes e pequenos.
9 Este é um erro do tradutor; Baudin (1884: 224) registra amêndoas/nozes de palmeira (noix de palme) no original.
Ifá é o mais venerado de todos os deuses; seu oráculo é o mais con‐sultado e seus sacerdotes, numerosos, formam a primeira ordem sacerdotal. Es‐tão sempre trajados de brancos e raspam a cabeça e o corpo”.
Bouche (1885: 120) trata de divinação com escassas palavras: “Ifá é o orixá da sorte e da divinação. Seus sacerdotes são adivinhos: são chamados ba‐balawo, pais do segredo, do mistério (awo). Como Xangô, Ifá nasceu na cidade de Ifè. Recebeu o cognome de Banga ou fetiche das amêndoas de palmeira, porque os babalawôs se servem ordinariamente, em suas práticas divinatórias de 16 amêndoas de palmeira, que lançam ao chão. elas auguram em função da dispo‐sição em que caem.”
Teilhard de Chardin (1888: 158) oferece um relato abreviado de Ifá, ba‐seado em Baudin e Burton: “A consulta tem lugar por meio de 16 nozes de pal‐meira e de uma prancheta sobre as duas faces da qual estão marcadas 16 figu‐ras, tendo cada os seus respectivos nomes, seu símbolo e certo número de pon‐tos. A resposta mais ou menos favorável depende de certas combinações de pontos e sinais, estes obtidos pelo feiticeiros ao jogar as nozes de certa maneira. Regra geral, quanto mais elevados os honorários, mais favorável o oráculo”.
Ellis (1894: 56‐64) copia, sem notificação qualquer, a maior parte do que disseram Baudin, Burton e Bowen. Da divinação propriamente dita, diz ele: “Para a consulta a Ifá, um tabuleiro branqueado é empregado, exatamente aná‐logo àqueles usados por crianças em escolas mulmanas em lugar das lousas, tendo dois pés de comprimento por oito ou nove polegadas de largura, no qual estão assinaladas 16 figuras.
Eles são chamados de “mães”. As 16 amêndoas de palmeira são se‐guradas frouxamente na mão direita e arremessadas através dos entrecerrados dedos, por dentro da mão esquerda. Se uma semente permanece mão direita, duas marcas são feitas desta maneira: // (verticais); se ficam duas, uma só mar‐ca: /. 10
Desse modo são formadas as 16 “mães”, uma das quais é declarada pelo babalawô para representar aquele que fez a indagação e, da ordem segun‐do a qual as outras são produzidas, ele deduz certos resultados. A interpretação parece estar de acordo com uma regra estabelecida, mas qual ela seja somente os iniciados o sabem… A partir dessas 16 “mães”, uma grande quantidade de
10 Este processo é repetido oito vezes e as marcas são feitas sucessivamente em duas colunas, de quatro cada combinações pode ser feita ao se tomar uma coluna de duas “mães” diferentes, e as figuras daí formadas são denominadas de “filhos”.
Cole (1898), um Iorubá de Serra Leoa, discute Ifá em um trabalho que nunca me foi possível localizar mas que é citado em Dennett (1906: 269‐271); a citação é baseada em Ellis (1894: 58‐59) e, em última análise, em Baudin (1885: 33‐35).
O trabalho de J. Johnson, publicado tanto em Iorubá (1899a) quanto em tradução inglesa (1899b), é importante pelo fato de ser a primeira exposição independente da divinação Ifá por um autor Iorubá, que freqüentemente tem sido citado por escritores subseqüentes. É igualmente importante por ser o pri‐meiro a registrar os nomes Iorubá e a ordem das configurações Ifá, embora as figuras propriamente ditas não sejam representadas; e é o primeiro a atentar pa‐ra o uso da corrente divinatória e a importância dos versos ou “histórias”de Ifá. Ambas publicações são extremamente raras, mas extratos muito úteis da edição em inglês estão incluídos em Dennett (1906: 243‐269). As passagens de maior re‐levância vêm reproduzidas abaixo.
“O grande oráculo da nação Iorubá é Ifá. É representado, principal‐mente, por 16 amêndoas de palmeira, cada uma dispondo de 4 a 10 ou mais i‐lhós na sua superfície. Por detrás de cada uma dessas amêndoas representativas estão 16 divindades subordinadas. Cada uma do lote inteiro é qualificada um Odú – que significa um chefe, uma cabeça. Isso faz o total de Odús ser de 256. Além destes, há 16 outros Odús associados com cada um dos 256, o que faz o total de Odús ascender a 4.096. Alguns aumentam ainda mais esse grande nú‐mero adicionando 16 outros a cada um do último número de Odús, porém os 16 principais são os mais freqüentemente requisitados.
Existe uma série de histórias tradicionais, cada uma das quais é chamada uma trilha, um caminho, e se acha ligado a algum odú especial. Cada Odú é suposto ter 1.680 dessas histórias a ele associadas e elas, juntamente com as dos outros Odús, teriam de ser, por qualquer um aspirante a babalawô, que é um sacerdote adivinho ou sacrificial, confiadas à memória, embora certamente não tenha sido encontrado um só que tenha realizado a proeza. Muitos apren‐dem de cor uma bem considerável quantidade delas, mais razoavelmente fa‐lando – um número apreciável, associadas aos Odús principais. Diante do apa‐recimento de um Odu na tigela de divinação ou de consulta, o babalaô pensa em algumas das histórias a ele ligadas e, a partir de qualquer uma delas que lhe venha à mente e que se adapte ao caso a respeito do qual ele é consultado, pro‐nuncia sua resposta oracular e prescreve o sacrifício que seria aceito” (Dennett, 1906: 246‐247).
“A divinação é realizada por um babalaô sobre uma grandemente estimada tigela circular e larga ou um leque quadrangular de dimensões mé‐dias, geralmente recoberto de pó branco proveniente de uma árvore seca, sobre o qual ele trabalha, e com um dedo da mão direita fixa certos sinais, simboli‐zando os representantes de Ifá, conforme deixados na palma de sua mão es‐querda, depois de haver conseguido, com um gesto da mão direita, agarrar to‐das as 16 peças do lugar onde se achavam encerradas. Essas reduzidas marcas, representando certo número de tentativas, são colocadas uma após a outra ho‐rizontalmente e, segundo seu número e respectivas posições, simbolizariam um ou outro dos Odús ou divindades principais ou subordinadas. A partir desse Odú ou divindade e uma ou outra das histórias tradicionais associadas a ele, e ainda com a ajuda da leitura da sorte e de Opelê, a divinação é realizada e profe‐rida”(Dennett, 1906: 249).
“Opelê ou Òpépéré é um oráculo de categoria inferior à de Ifá e o‐lhado como seu constante assistente, falando‐se comumente que é o seu escra‐vo. Opelê é sempre representado por oito achatadas peças de madeira, metal ou outra coisa, amarradas juntas, em duas fileiras de quatro de cada lado, coloca‐das a iguais distâncias uma das outras e unidas todas juntas. A disposição de uma ou outra dessas peças quando a insígnia inteira é lançada e feita espalhar‐se sobre o solo, representaria imediatamente um Odú especial, e um dos princi‐pais deveres de Opelê é mostrar ao babalaô qual Odú particular ele deveria consultar ante um caso a ele encaminhado.
Opelê é assiduamente e, por isso, independentemente consultado pelos babalaôs, que habitualmente levam suas insígnias de um lado para outro, isto porque lhes dá muito menos trabalho e menor dificuldade do que dirigir‐se ao Mestre, o próprio Ifá, embora devesse ser apenas o caso em assuntos de me‐nor importância, e sua reação ou capacidade de resposta seria a de um serviçal diante de seu patrão, o que não é sempre de absoluta confiabilidade” (Dennett, 1906: 250‐251).
Em seu próprio trabalho sobre os Iorubá, Dennett (1910: 146‐150) faz citações, ao invés de simplesmente repetir sem quaisquer referências, de Ellis, J. Johnson e outros acerca do método de divinação, não acrescentando informações novas, exceto sua própria lista dos nomes das figuras, os quais compara com os de escritores que o precederam.
Frobenius surge como o primeiro a haver registrado as figuras de Ifá assim como seus nomes e ordenamento para os Iorubá, atribuindo‐se ao “Ioru‐bá Central”, por o que ele provavelmente quer dizer Ibadan. Sua descrição do processo divinatório acompanha as de Ellis, J. Johnson e Burton. Na tradução in‐glesa (1913: I, 244) de seu trabalho, diz ele que depois de polvilhar a bandeja di‐vinatória com madeira finamente reduzida a pó, “o número par ou ímpar de amêndoas 11 capturadas ao caírem é registrado em uma série de linhas simples ou duplas, desenhadas no fino pó, quatro das quais configuram um Odu”. Isto é mais tarde ampliado numa passagem, parte da qual é confusa tanto em Inglês quanto no original Alemão. Em Inglês: “Ele espalha pó branco sobre ela, toma todas as sementes e arremessa‐as em direção à sua mão esquerda, com a qual ele agarra alguma delas. Se o número apresado é ímpar, duas linhas verticais são desenhadas desse modo: //. Caso seja par, uma linha única é traçada com o dedo da mão direita, desta maneira: /. Quatro lançamentos são efetuados e as marcas são colocadas uma abaixo da outra. A figura resultante de quatro desses sinais é chamado de “Medji”, ou um “par”. Esse procedimento é repetido oito vezes, de modo a dois Medjis estarem sempre próximos, e também 4×2 acima, um do outro. Em Alemão: (oito vezes é repetido esse procedimento e por sinal ficam sempre dois Medji um junto ao outro, portanto 4×2 reciprocamente, dese‐nhados.) Os números assim registrados são os Odus, traçados diante do oráculo para o dia. O quadro assim desenhado sobre o pó é lido da direita para a es‐querda. …Cada Medji representa um Odu, suposto consistir de 16 odus, cada um dos quais novamente composto de 16 e assim por diante” (Frobenius, 1913: I, 251‐252; 1912‐1913: I, 280).
“E, finalmente, há o Okpelê. É um cordão unindo oito metades de nozes de palmeira 12, e suas extremidades são habitualmente terminadas em borla de contas, de grande beleza. O Sumo Sacerdote em Ifé possuía um com nozes amarelas em lugar das meias nozes e futuros iniciados em divinação usa‐vam principalmente um Opelê no qual pedaços de cabaças substituíam as meias
11 O original diz sementes (Ing. kernels; Al. Kerne-caroços). Frobenius (1912-1913: I, 271-280) diz repetidamen-te Palm kernels (Palm-kerne-al) ou Ifá kernels (Ifakerne) e só poucas vezes palm nuts (Palmnusse-al.), nozes de palmeira. (N do T: -para o português é mais difícil porque Bascom é impreciso: o inglês kernel é semente, o alemão Kern é caroço, duas coisas diferentes entre si pois caroço é envoltório mais semente, portanto não si-nônimos; o inglês nut é sinônimo perfeito de Nuss alemão – noz).
12 O original novamente diz ‘palm kernels’ (al. Palmkerne). Frobenius (1912-1913: I, 278) (N do T: prossegue o impasse de Bascom; tampouco os franceses dão solução quando tratam de Ifá – usam amande – amêndoa, que é caroço, envoltório plus semente), sementes de palmeira. Na leitura do destino pelo oquelê, este é pegado em seu meio de tal modo que quatro de suas nozes pendem de cada lado. Quando cai, um odu ou figura é formada segundo o número de posições côncavas ou con‐vexas assumidas” (Frobenius, 1913: I, 25o).
“Diz‐se que o exclusivo fundamento das profecias consiste no con‐junto de nada menos de 1.680 máximas para cada um dos 4.096 odus. É eviden‐te que ninguém se pode lembrar de um total tão imenso e como uma profecia em questão depende naturalmente das várias posições dos diferentes odus, e‐xiste uma liberdade absoluta de interpretação de algo que não é menos misteri‐oso que o pítio oráculo do templo de Apolo, em Delphi, ou do templo de Amon” (Frobenius, 1913: I, 246).
Wyndham (1919: 151‐152; 1921: 65‐67) oferece uma descrição breve, porém independente, do método de divinação. “Os sacerdotes de Ifá” (chama‐dos babalawô) beneficiam‐se consideravelmente com a divinação, a qual reali‐zam com areia sobre um tabuleiro circular ou com um berloque denominado “Okpéllè”. Esse opelê consiste em oito pedaços de casca de árvore presos a um cordão. Estes oito são dispostos de quatro em quatro. Cada um desses pedaços de casca podem cair ou com a parte interna ou a externa, à mostra. Conseqüen‐temente, cada grupo de quatro pode cair de dezesseis maneiras diferentes, ten‐do nomes e significados diferentes”. Wyndham lista em seguida essas 16 figuras e seus nomes, os nomes das figuras duplas – dezesseis – ou “mensageiros de I‐fá” e discute as combinações: “estas combinações são denominadas filhos do Mensageiro que surge à direita. Desse modo, Ọgbê Yeku é filho de Ọgbê; Oyekú Ọgbê é um filho de Oyekú. Daí se verá que Okpélè pode mostrar 256 combina‐ções.
Procedimento. – Um homem vem a um babalaô para consultar Ifá. Ele coloca uma oferenda de caurís (para os quais terá sussurrado suas dificul‐dades) diante do babalawô. Este toma do Okpéllè e o coloca sobre os caurís. E diz então, “Você, Okpéllè, sabe o que este homem disse para os caurís. Agora me conte.” Ergue então o opelê e deita‐o sobre o solo. A partir do mensageiro ou da criança que aparece o babalawô é suposto deduzir que seu cliente deseja um filho homem, furtou um bode, ou está com dor de dente, conforme o caso. Ele então diz ao homem o que precisa trazer em sacrifício, a fim de atingir seus objetivos”.
S. Johnson (1921: 33) descreve o método muito sucintamente. “Para consultar Ifá, da maneira mais simples e comum, 16 nozes de palmeira são agi‐tadas juntas no oco das duas mãos enquanto certas marcas são traçadas com o dedo indicador numa tigela rasa polvilhada com farinha de cará ou uma árvore africana vermelha (camwood) em pó. Cada marca sugere ao sacerdote consulente os feitos heróicos de alguns heróis de fábula, proezas que relata devidamene, e assim prossegue com as marcas ordenadamente até que acerte em certas pala‐vras ou frases que parecem estar direcionadas para o assunto do cliente à sua frente”.
Meek (1925: II, 69‐70) fornece um relato menos acurado: “Ifá pode ser abordado por intermédio de seus sacerdotes em determinados dias. O deus emprega como seu intermediário dezesseis cordões de caroços de palmeira que foram consagrados para seu uso por meio de determinados ritos elaborados. Cada cordão representa alguma divindade menor e tem dezesseis caroços a ele atados – o número total de caroços sendo, por conseguinte, de 256. A esses ca‐roços está associado um grande número de histórias dos deuses e, de acordo com a combinação do número de caroços depois de eles terem passado pela mão, desse modo fuça o sacerdote habilitado a aplicar essas várias histórias ao caso em questão”.
Talbot (1926: II, 185‐186) calca‐se principalmente em J. Johnson: “A verdadeira divinação é praticada coma ajuda de 16 nozes de palmeira da árvore Awpe‐Ifa, cada uma das quais normalmente possui quatro ou mais ilhós. Cada uma dessas nozes representa dezesseis forças subordinadas, denominadas Odu, e destas, outras dezesseis cada. …Todas estão associadas a parábolas ou histó‐rias tradicionais com as quais o babalawô terá, em tese, de estar familiarizado. Uma branqueada, achatada e geralmente circular bandeja ou tigela de madeira, por vezes finamente cinzelada, chamada de Opon Ifá, é utilizada pelo adivinho que nela faz determinadas marcas de acordo com o número de nozes remanes‐centes na palma de sua mão esquerda depois de ele haver agarrado tantas quanto pode com a sua mão direita. Esse procedimento é repetido oito vezes, de tal modo que um muito grande número de combinações e permutações se torna possível. Cada agrupamento tem sua própria história, decodificada ou traduzi‐da pelo sacerdote nos termos da resposta aguardada.
“Ifá, no entanto, não pode ser consultado se nào se tomar previa‐mente o conselho de um oráculo inferior, chamado de Awpele ou Awpepere, con‐siderado seu assistente. É representado por oito pedaços de madeira, metal, osso ou cabaça, atados frouxamente em duas fileiras, envolvendo muito menos re‐flexão e conhecimentos que o primeiro método. A resposta depende da disposi‐ção e do número dos diversos pedaços que caem – cara ou coroa – toda vez que os dois cordões são arremessados sobre o solo. Opelê, entretanto, é consultado apenas em assuntos de somenos e por todo aquele que tenha aprendido o pro‐cesso com o babalawô”.
Farrow (1926: 38‐39) tanto recorre a Ellis quanto a J. Johnson: “Ao consultar o oráculo, o babalaô usa dezesseis nozes de palmeira especial – a Ope‐lifa – e uma tigela divinatória, isto é, uma bandeja circular esculpida ou mesmo retangular, dispondo, de um cabo, análoga à maometana tabuinha de escrever. … Às vezes é utilizado um leque, de forma quadrangular. Essa tigela divinatória é denominada Opon‐Ifá. Sua superfície é recoberta com uma farinha branca (i‐yerosu) ou pó branco da árvore irosu. Sobre ela o sacerdote trabalha e, com um dedo da mão direita, imprime certos sinais a fim de indicar aqueles represen‐tantes de Ifá que houverem ficado na palma de sua mão esquerda, depois de haver tentado com um gesto da mão direita agarrar todas as 16 nozes ali con‐servadas. Ou, então, segura essas 16 nozes frouxamente na mão direita e as joga por entre os dedos para dentro da mão esquerda. Se duas restarem na mão di‐reita, ele faz uma marca, assim: /, na tabuinha; mas se apenas uma ficar, ele fará duas marcas, //. Esse processo é repetido oito vezes e as marcas são montadas em duas colunas, de quatro cada. A natureza complicada deste processo é de‐monstrada pelo fato de que por detrás de cada uma das dezesseis nozes existem dezesseis deidades subordinadas. Cada uma delas é qualificada de Odu, ou se‐ja, um “chefe” ou “cabeça”. Por isso há 16 x 16 = 256 Odus principais, e cada um destes 256 tem, novamente, 16 subordinados, elevando o total de Odus para 4.096. Há ainda aqueles que aumentam isso ao multiplicarem cada um desses Odus por 16 subordinados de menor categoria! Acresça‐se a essas cifras o fato de que, nos 8 arremessos, ou tiradas da sorte, das 16 nozes, existe a possibilida‐de de um vasto número de resultados diferentes, e que, associados a cada Odu, presume‐se estarem 1.680 contos tradicionais, cada um dos quais é representado por um breve dístico (ou parelha de versos) que precisa ser memorizado, e logo se verá que a tarefa de um babalawô não é nada fácil, mesmo que ele restrinja sua atenção, como habitualmente é o caso, aos 16 Odus principais. A maioria dos babalaôs confia à memória um grande número de dísticos, ou contos sinte‐tizados, associados a cada um dos principais. Então, quando um Odu aparece na tigela de consultas, o adivinho pensa na história mais apropriada a ele ligada, adequada ao caso para o qual ele está sendo consultado e, dessa forma, dá resposta oracular e prescreve o sacrifício apropriado.
Opelê é o nome de um oráculo inferior, considerado um mensageiro de Ifá. É representado por oito pequenas fasquias de madeira e como é, de lon‐ge, muito mais fácil a tarefa de consultá‐lo, os babalawôs assim o fazem todos os dias e em todas as causas de menor importância” (Farrow, 1926: 42).
Southon (sem data, aprox. 1931: 25‐26) calca‐se basicamente em Far‐row: “Removendo o pano ante os olhos maravilhados de Adebiyi, Fatosin revelou uma cabeça elaboradamente esculpida. Abrindo‐lhe o topo, o sacerdote pôs sua mão lá dentro e retirou‐a de novo segurando frouxamente entre seus dedos di‐versas peças pequenas e oblongas de marfim. Sacudiu‐as com os dedos entrea‐bertos de tal modo que caíssem ao solo dentro do círculo de luz lançada pelo lampião de campanha, curvou‐se e estudou as marcas cinzeladas na superfície das várias “nozes” de marfim. A banda da tigela divinatória de Fatosin havia sido polvilhada com pó branco de árvore sagrada usada para esse fim e o baba‐lawô então fez uma marca no pó com o seu dedo. Novamente as nozes de mar‐fim foram sacudidas e despejadas, os sinais anotados e uma segunda marca de‐senhada na tigela divinatória. Oito vezes ao todo, a fim de cumprir o número prescrito arremessou Fatosin seus marfins. Depois anotou cuidadosamente as marcas que fizeram sobre a tigela e por detrás de sua face impassível, montou uma complicada soma que envolvia prodigioso feito de memória.
Havia dezesseis nozes de marfim, cada uma denominada Odu, ou chefe, cada qual com uma divindade subordinada, cada uma das quais por sua vez tendo sua própria deidade assistente, perfazendo um total acima de 4.000 Odus. Ligada a cada um desses Odus está uma curta história ou parábola, que qualquer babalaô é suposto de saber de citar.
O arremesso das nozes de marfim por oito vezes resulta na fixação de um dentre milhares de números possíveis. A tarefa de Fatosin agora era de calcular o número exato que era indicado pelo lançamento das nozes e relem‐brar o conto associado aquele número, pois esta seria a resposta de Ifá ao pedi‐do de ajuda de Adebiyi”.
Delano (1937: 178‐179) faz um breve relato independente: “Os sacer‐dotes de “Ifá” são chamados de “Babalawôs”. O trabalho deles é difícil e preci‐sam possuir uma muito poderosa e retentiva memória. Há inúmeras recitações tratando com toda esfera de vida que eles são obrigados a memorizar mediante escuta de babalaôs mais velhos. Essas recitações são denominadas “Odu”. Na medida em que a ansiedade, a doença e a bondade humanas variam e são sem conta, nunca existiu um só “babalaô” que tenha podido cobrir o universo intei‐ro de “Ifá”. Cada uma das esferas de vida dispõe um “odu” a ela aplicável. …
Quando uma criança está enferma e os pais vão a um “babala‐wô”para descobrir a causa da doença e seu remédio, comparecem à sua frente sem a criança e sem lhe dizer a causa de sua ansiedade. Quando lhe é pedido para ser consultado, não há honorário a ser pago. Tira o seu “Ifá”, mira os pais, e começa sua recitações enquanto lança o “Opelê” e faz signos e marcas com sua mão na areia à sua frente. “Opelê” é o guia com o qual ele chega as suas dedu‐ções. Depois ele ergue a cabeça e conta aos pais que a criança está doente. No‐vamente levanta o rosto e diz: “É apendicite” ou qualquer outra que seja a en‐fermidade.”
Price (1939: 134), que serviu como diretor regional em ifé, dá outro breve independente depoimento a respeito do babalawô: “Eles aprenderam a ler augúrios e dar conselhos a clientes de longe e de perto observando seu futu‐ro. Não posso atestar a precisão desses profetas mas os absorvei trabalhando. Usam uma bandeja redonda de madeira decorada com entalhes na borda, sobre a qual é esparzida uniformemente areia, como dezesseis nozes da palmeira, me‐tade das quais têm quatro orifícios naturais cada, enquanto a outra metade só tem três. Algumas delas são agitadas como dados e arremessadas ao solo. De acordo com o modo que caem certas marcas são feitas na areia com os dedos do sacerdote. Após várias repetições desse processo, ele lê a configuração final feita na bandeja e revela seu significado na medida em que diz respeito à questão so‐bre a qual foi consultado. Demanda anos de intenso estudo para tornar‐se um eficiente babalaô; havendo, ao que se diz, noventa e nove graus a serem venci‐dos antes de atingir o nível mais elevado”. Mais adiante ele repete, “as nozes de palmeira são então sacudidas e lançadas tais como dados e o veredicto é lido segundo a maneira em que caem”. (Prince, 1930: 138‐139).
Clarke (1939: 239‐252) descreve quatro consultas com adivinhos que testemunhou, uma com nozes de palmeira e três com o rosário divinatório e em adiantamento fornece as figuras de Ifá e duas relações com seus nomes. Fontes precedentes são citadas mas este é um depoimento independente e importante. A corrente divinatória e o seu uso são corretamente descritos e a escolha entre alternativas específicas “denominada igbigbo ou obtendo o Ibo” é registrada: ao utilizar as amêndoas divinatórias, o adivinho tomou uma bandeja divinatória sobre a qual borrifou um pó obtido de uma árvore denominada Irosun (Baphia nítida). Então, depois de jogar dezesseis caroços de palmeira da mão direita pa‐ra a esquerda, de modo que com o segundo dedo de sua mão direita imprimiu uma marca no pó do lado direito da bandeja. Depois ele novamente jogou as nozes da mão direita para a esquerda e, permanecendo uma noz, fez uma dupla marca, com o primeiro e segundo dedos, do lado esquerdo da bandeja. Isso ele repetiu oito vezes no total, sempre fazendo primeiro as marcas do lado direito, depois do lado esquerdo bandeja. Desse jeito obteve ele uma configuração na bandeja que correspondia às configurações feitas pelo Opelê – duas fileiras de quatro elementos – neste caso marcas duplas ou simples ao invés de cascas com côncavas ou convexas” (Clarke, 1939: 240).
Desde aquele tempo tem havido diversos relatos breves de minha autoria (1941; 1942; 1943; 1944: 25‐29; 1952; 1961; 1966); uma recapitulação de Farrow por Lucas (1948: 75‐79), relatos de Parrinder (1949: 152‐161; 1953: 31‐36; 1954: 119‐120; 1961: 137‐147) e de Abraham (1958: 275‐276), que se fundamenta em Lucas e outras fontes; o trabalho de Idowu (1962) pouco fala de divinação mas cita 31 versos de Ifá; e artigos de Prince (1963) e McClelland (1966). Com o passar dos anos, desenvolveu‐se também uma estrutura literária em idiomas Io‐rubá, de autores como Lijadu, Epega, Ogunbiyi, Sowande e outros citados na bi‐bliografia e em Bascom (1961: 681‐682). A maior parte deles pouco fala acerca de técnica de divinação, que eles tendem a tomar como obviamente conhecida, mas têm grande importância dos muitos versos de Ifá que registraram. Lamen‐tavelmente, muitos escritos têm caráter efêmero, publicados localmente e não largamente disponíveis para pesquisa acadêmica.
Nesse ínterim, alguns estudos foram efetuados no Daomé e no Togo. Seguindo de Burton (1864), houve os trabalhos de Skertchly (1874), Gradin (1895), Spieth (1911) sobre o Ewe, Le Herisse (1911), Monteil (1931), Quenum (1935), Gorer (1935), Bertho (1936), Herskovits (1938), Trautman (1940), o obra mo‐numental de Maupoil (1943), Alapini (1950), Garnier e Fralon (1951) sobre os Ewe, e uma coleção de mitos Fa em Herskovits e Herskovits (1958). Houve também er‐ros e repetições nessas obras embora elas incluam alguns estudo independentes e importantes. Vários se calcaram em relatos publicados sobre divinação Ifá en‐tre os iorubá; mas os estudos relatados entre os iorubá raramente deram atenção as fontes daomeanas, com exceção para Burton, cuja as informações são as primeiras.
Os pontos essenciais do método de divinação foram descritos na li‐teratura inicial mas que precisa ainda ser escoimada de algumas discrepâncias. Tediosas repetições nestes relatos anteriores, muitas das quais foram excluídas aqui, mostram quão freqüentemente narrativas precedentes foram repetidas ou parafraseadas, habitualmente sem indicação de créditos respectivos. O número de vezes que uma afirmação é feita não é medida de sua credibilidade, como é o caso das 16 x 4096 configurações e os 1680 versos para cada figura, para o que não existe indicação de qualquer verificação independente por escritores que sucederam a declaração original de J. Johnson.
Da maior parte das discrepâncias trataremos mais adiante, nas dis‐cussões a respeito da parafernália e procedimentos de divinação, mas algumas delas podem ser deslindadas aqui mesmo. As declarações de Campbell, Stone, Bouche, Southon e Price, segundo as quais as nozes de palmeira são espalhadas ao acaso sobre a bandeja divinatória ou arremessadas ao solo e suas posições depois interpretadas – o que sugere os ossos divinatórios da África Oriental – são inexatas. A manipulação das nozes conforme fornecido por Meek, Farrow, Southon, Lucas e Abraham deriva de Ellis, que diz que elas são “lançadas por en‐tre os dedos semi‐cerrados”, enquanto outros escritores, desde Burton até Clarke, falem apenas de arremesso de nozes de palmeira de uma mão para outra. Mais precisa é a descrição de J. Johnson, que afirma que o adivinho se empenha em “com um só ato da palma de sua mão direita apoderar‐se de todas as 16”.
A descrição de Baudin sobre a mulher ou a mãe do cliente carregan‐do as nozes de palmeira às costas e destinadas ao adivinho, embora repetida por Ellis e Farrow, não é confirmada por escritores subseqüentes e foi negada por informantes,tampouco todos os devotos de Ifá trazem constantemente consigo sua nozes de palmeira consagradas, como Campbell e Stone sustentam. Embora um carneiro ou um bode possam ser exigidos para o sacrifício, estes e outros artigos não são trazidos por antecipação, conforme Tucker e Souton de‐claram; o objetivo da divinação é determinar a natureza do sacrifício que irá as‐segurar uma benção ou afastar um iminente infortúnio.
Referências ao uso de uma muçulmana “lousa”(wala) como bandeja ou tabuleiro divinatório deriva da interpretação equivocada de Ellis do relato de Burton (1983: I, 220‐222), que em nenhum ponto afirma que assim tenha empre‐gada. O que Burton descreve é uma das tabuinhas lavradas ou tábuas calendárias usadas no Daomé conforme mostrado por Maupoil (1943: 209‐218); embora a origem delas seja atribuída a ifé, elas não foram creditadas aos iorubá. Afirmações de que dezesseis figuras estão permanentemente marcadas na bandeja divinatória também derivam da descrição de Burton desses calendários daomeanos. A descrição de Campbell da bandeja divinatória como um tabuleiro de xa‐drez é inexata, do mesmo modo o sendo a afirmação de Stone de que é um tabuleiro recoberto de pó de madeira e marcado de pequenos quadrados. A nar‐rativa de Tucker que menciona marcas feitas na parede pode estar se referindo apenas a magia protetora feita pelos divinadores (ver capítulo VI) e não ao mé‐todo de divinação.
Desconfiança dos divinadores e cepticismo ante seus métodos apa‐recem em muitos desses relatos e diversas são as explicações oferecidas para a maneira pela qual eles chegam a suas “predições”. Frobenius assevera que o di‐vinador tenha absoluta liberdade de interpretação das variadas posições dos di‐ferente Odus. Baudin compara o método de leitura da sorte com cartas de jogar, segundo o qual os adivinhos revelam a sua vontade boa ou má sorte segundo estimem apropriado para melhor engambelar o tolo que veio consultá‐los”. Campbell e Stone declaram que o divinador fala ao cliente para descobrir o tipo de resposta que ele gostaria de ouvir. Nenhuma dessas afirmações é correta.
Southon (s.d.: 23‐25) oferece a seus leitores a escolha entre duas ex‐plicações inexatas: “Nem Fatosin nem os seus mestres jamais ouviram falar a pa‐lavra “psicologia” mas eles compreenderam muito claramente o que a palavra significa. Para ser bem sucedido em sua profissão escolhida e por meio dela as‐cender à riqueza e ao poder, ele tinha de entender as mentes e os corações que vêm a ele em suas precisões. Por intermédio de assídua prática e rigorosa ob‐servação Fatosin podia ler os pensamentos daqueles que vinham a ele tão cla‐ramente quanto se pode ler uma página impressa e tirava proveito de suas es‐peranças e temores com o hábil toque de um mestre em seres humanos.
Tal era o sacerdote – metade convencido de que possuía os poderes que alegava, outra metade charlatão – a quem a simplória Adebiyi recorreu em sua desesperada necessidade. … Fato sim saudou‐a com fria voz uniforme que, em certa medida, fazia a diferença que entre eles existia parecer ainda mais vas‐ta, e perguntou‐lhe o que ela desejava para que o procurasse àquela hora. “… Adebiyi finalmente chegou à sua história do enfermo Abiodun e sua convicção de que “um verme estava carcomendo o cérebro dele”, posto ali por um feitiço utilizado por inimigo desconhecido… Algumas perguntas acerca do começo e do histórico da doença de Abiodun esclareceram o astuto sacerdote que Abiodun sofria de nada mais sério que de um violento ataque de febre, que suas ervas velozmente poderiam aliviar. …”
Wyndham parece haver sido o primeiro a asseverar que o cliente não revela seu problema ao divinador, de quem se espera venha se informar por si próprio através da divinação, embora não sugira como isso é feito. Delano (1937: 179), que também se apercebeu disso, oferece uma explicação de certo modo mística: “É maravilhoso como um “babalawo” descobre o embrião da matéria que lhe é trazida. Os nexos na vida, as semelhanças na natureza e o que há de comum a toda a humanidade, eis o que ele reúne e donde faz uma dedução cor‐reta”. Gorer (1935: 197‐198), que registra que no Daomé o cliente sussurra seu pedido “tão baixinho quanto possa” para uma noz de palmeira, fala dos divinadores Fa (bokonon) : “Eu não creio que os bokonon sejam, de um modo geral, embusteiros conscientes; parece‐me mais provável que eles tenham um hiper‐trofiado sentido de audição, tal como não é incomum com “mediuns telepáticos”, e possivelmente, e inconscientemente, ouve por acaso o pedido murmura‐do para a afortunada noz de palmeira”.
Parrinder (1961: 137) oferece muitas explicações parecidas: “Os se‐gredos dos divinadores são guardados rigorosamente e é difícil dizer qual a dimensão e a espécie dos conhecimentos deles. Eles sustentam, e alguns escritores sérios neles crêem, que dispõem de segredos esotéricos que a ciência moderna ignora. É certo que por vezes eles parecem aperfeiçoar‐se com os feitos humanos ou o paradeiro de seus deuses perdidos ou roubados por meio de mé‐todos que não são facilmente explicáveis. Alguns diriam que eles têm agentes secretos para escutarem mexericos de aldeia e observar gente suspeita; outros alegam que eles praticam telepatia e tem poderes de previsão”. Na primeira edição desse trabalho, a frase final é menos evasiva: “Há necessidade de cuida‐dosas investigações em fenômenos de telepatia, previsão e espiritualismo” (Par‐rinder, 1949: 152).
Clarke (1939: 251) conclui: “Se eles são honestos, precisamos excluir a hipótese de que, através de seus associados, investigam os assuntos de seus clientes e desse modo ficam sabendo do provável tema duma indagação e habilitados para prescreverem medidas que precisam ser tomadas. Talvez, ou por meios da telepatia ou, como se sugere, por intermédio de alguma hiperestesia, o babalaô possa saber consciente ou inconscientemente aquilo que o interrogador sussurrou para o Opelê”. Uma explicação menos mística que foi sugerida anteriormente (Bascom, 1941: 51‐52) será dada no Capítulo VII, mas antes que deixemos os relatos mais antigos, vale a pena notar‐se que, segundo J. Johnson, S. Johnson, Meek, Farrow e Lucas, cabe ao adivinhador selecionar o verso adequado.

III‐ A PARAFERNÁLIA DA DIVINAÇÃO IFÁ E AS INVOCAÇÕES PRELIMINARES
Este capítulo ocupa‐se com as sementes de palmeira e o cordão ou rosário divinatório; com as sacolas ou bolsas, placas, taças e tigelas nas quais e‐las são conservadas; e a bandeja ou tabuleiro, o pó e a sineta usada em divinação. Conclui com uma descrição da invocação matinal que precede a primeira divinação de cada dia. O chicote rabo de vaca do divinador e outros materiais que servem precipuamente como insígnias de status ou como parafernália ritual são discutidos brevemente nos Capítulos X e XI. Na divinação, seja com sementes de palmeira seja com o cordão, o adivinhador fica sentado sobre uma esteira (eni) e pega (s.d.: I, 77) registra um verso de Otura Meji que é responsável por esse costume. Entretanto, como qualquer tipo de esteira serve, não se faz neces‐sária descrição especial.
AS SEMENTES DE PALMEIRA (IKIN)
Dezesseis sementes de palmeira são objetos mais importantes em‐pregados na divinação Ifá, bem como no ritual Ifá. Eles também distinguem a divinação Ifá de outros sistemas que utilizam números diferentes ou outras es‐pécies de sementes, do Ạgbigbạ, cortes da areia e outros sistemas de divinação nos quais são empregadas as mesmas dezesseis figuras básicas. Ritualmente, as 16 sementes de palmeira simbolizam Ifá como o deus da divinação, da mesma forma que os machados pré‐históricos ou “pedras dos relâmpagos” represen‐tam Xangô, o deus do raio e do trovão. Como sacrifícios a Xangô são oferecidos a esses machados, assim também sacrifícios a Ifá são feitos para as suas 16 sementes de palmeira. Na divinação, ritual e mito, Ifá está associado a uma varie‐dade especial de palmeira oleaginosa.
A palmeira oleaginosa (ọpẹ) ou elaeis guineensis dá frutos (eyin) em grandes cachos (idi, eyin, banga); cada fruto é uma noz de palmeira coberta por um pericarpo laranja avermelhado do qual é extraído o óleo de palmeira (epọ), que se destina à culinária e exportação. Os caroços (ekuro) propriamente ditos tem comprimento aproximado de uma polegada, de forma ovoidal, com dura casca negra e sulcos longitudinais. Dentro do caroço há sementes brancas (ker‐nels, em ing.) que são exportadas e das quais os iorubá extraem o óleo de semente de palmeira (palm kernel oil) (adin, adi) para a fabricação de sabão e outros fins. Frobenius, ao contrário, diz que sementes de palmeira não são usados em lugar de caroços da palmeira. Tanto os caroços quanto as sementes de palmeira são comumente conhecidos com ekuro, mas os caroços usados na divinação Ifá são distinguidos por um termo especial (ikin, iki, eken). Por vezes a eles se refe‐rem como nozes de palmeira de Ifá (ikin Ifa) ou palmeira oleífera de ikin (ope i‐kin). (Em português, a elaeis guineensis é conhecida por dendezeiro e seus frutos, nozes, amêndoas, carços, etc., por dendê, simplesmente, que será doravante a designação no presente texto)
Dalziel arrola‐se como uma variedade botânica distinta (elaeis guine‐ensis idolátrica) conhecida com King Palm (palmeira real), Juju Palm, Tabu Palm e Palmier Fetiche; ele afirma que ela é facilmente reconhecível por suas folhas se‐mi‐enroladas e a sua folhagem é usualmente mais escura e menos pendida eu nos tipos comuns. Um divinador Hara disse que suas folhas são eretas e apon‐tam para cima porque são “dobradas”, o que as torna rijas. Aduziu que se o fru‐to dessa árvore é misturado com o fruto comum ao fazer o óleo da palmeira, es‐te ficará estragado porque se mistura com a água ao invés de subir à superfície; quando tal ocorre, eles sabem que há pelo menos um ikin entre os frutos de palmeira. Com referência a este fato que informantes dizem que os frutos da palmeira de Ifá não são comidos.
Alguns adivinhos de ifé sustentavam que apenas caroços com qua‐tro ou mais reentrâncias ou “olhos” (oju) em suas bases podem ser empregados na divinação ou com propósitos rituais e que os com três olhos são inaceitáveis para Ifá. Um dos versos de Ifá (175‐2) registrados em ifé dá conta de quatro o‐lhos nos caroços de Ifá. Burton (1863: I, 189) refere‐se ao emprego de caroços com quatro olhos e Talbot (1926: II, 185) e Atayero (1934: 6) àqueles com quatro ou mais olhos. J. Johnson (Dennett, 1906: 246) diz que Ifá é representado por caroços com ocelos ou ilhoses de quatro até dez ou mais. Em outro lugar ele diz: “Existe uma palmeira especial que é conhecida pelo nome de Opa‐Ifá, ou pal‐meira de Ifá, porque aquela espécie comumente dá caroços dispondo de quatro ocelos cada, e estes são os únicos empregados no culto a Ifá e a ele são dedica‐dos. São considerados sagrados para esse propósito e freqüentemente deles se fala como Ekuro‐aije, isto é, “Nozes que não devem ser comidas” e se caroços com dois ou três ilhoses derem nessas árvores, estas e aparentemente variações regionais no nome da árvore, mas iyerosun como a denominação do pó é am‐plamente reconhecida. Informantes de ifé explicaram que este nome significa Iye irosun, ou pó de madeira (iye) feito pelos cupins na árvore irosun. Clarke (1930: 240) também dá à árvore o nome irosun e Farrow (1926: 38) fala em irosu. Adivinhos em Meko, no entanto, não conheciam árvore alguma irosun, afir‐
mando que o pó de cupim provinha da árvore osun (igi osun); eles explicaram que o termo iyerosun como sendo a combinação de iyeri oyeri (pó de cupim) e osun. Abraham (1958: 334) dá ambos ì`ye como “pó de madeira proveniente de árvore carcomida por insetos perfuradores” e ìyèrè òsùn o mesmo que irosun: “madeira pulverizada da árvore irosun esparzida sobre a prancha divinatória”.
Dalziel dá irosun como o nome tanto para Camwood, Baphia nitida, quanto para Barwood, Pterocarpus osun, que também é conhecida como osun ou osun vermelho (osun pupa); Pterocarpus erinaceus é conhecida como osun negro ou escuro (osun dudu). Ele começa sugestivamente sua discussão de Pte‐rocarpus com a afirmação: “Existe muita confusão relacionada com a classifica‐ção botânica de vários espécimes de Redwoods, conhecidas como Barwood e Camwood, e como os nomes nativos não são distintivos, eles dão escassa assis‐tência a colecionadores. Propõe‐se confinar o termo Barwood para espécies de Pterocarpus e Camwood para de Baphia” (Dalziel, 1937: 256). 13
Em Ifé, o pó divinatório é freqüentemente mantido ao alcance da mão guardado numa garrafa ou outro vasilhame. Quando maior quantidade se faz necessária, o adivinho ou seu assistente pegam um pedaço de madeira de irosun que esteja infestado de cupins, bate‐o pesadamente sobre uma pedra achatada para esvaziar a madeira do pó e “batia‐o” sobre um tabuleiro de divinação, de molde a que maiores fragmentos de madeira possam ser removidos. Os adivinhos de Meko trazem para casa um pedaço de tronco de árvore osun, durante a estação seca, e o deixam pousado no solo para que as térmitas possam comê‐lo, mas não próximo do local onde fazem a divinação. Eles explicam que os cupins devoram apenas a parte externa, esbranquiçada, e que o pó avermelhado do cerne jamais é empregado. Esse cerne produz osun, o avermelhado pó de madeira comumente conhecido em inglês como camwood, mas que seria barwood segundo a classificação de Dalziel, caso os termos de Meko e ifé sejam distingam especificamente.
Em Meko, outras madeiras também podem ser usadas, inclusive igi ayore e igi idin (não identificadas), igi isin (Akee apple ou Blighia sapida) (Abr. 160), e pó de bambu ou de caibros de dendezeiro; iyerosun é preferido mas a es‐pécie de madeira não vem ao caso na medida em que o pó de térmitas de qual‐
13 Essa confusão reflete-se no idioma português, não havendo tradução para Camwood ou Barwood. Sucede que se Redwoods – madeiras vermelhas – que englobam o gênero não têm correspondentes no Brasil (como a sequóia). Camwood e Barwood, de tinturaria, nada tem a ver com canjarana ou pau-brasil, esta, aliás, cesalpi-nácea (NdoT) quer outro tipo de madeira como insatisfatório, mas ocasionalmente usam pó de caibros feitos de dendezeiros como um substituto.
Embora marcação em areia seja fundamental para o sistema islâmico de divinação e a despeito de Wyndham (1921: 69) e Price (1939: 134) mencionam o uso de areia nos tabuleiros divinatórios em ifé e Gorer (1935: 196) relatar seu emprego no Daomé, tal uso em lugar de pó de madeira é desmentido por adi‐vinhos de ifé e não é mencionado por Maupoil. Em Meko, nem areia nem giz são usados; farinha de inhame (elubo) pode ser empregado, conforme nota S. John‐son (1921: 33), mas não é considerada boa para propósitos divinatórios. De mo‐do análogo, a Maupoil (1943: 194) foi dito que fuligem, carvão vegetal, cará semi‐cozido e mandioca não funcionavam. Marcação de uma figura em inhame meio cozido esmigalhado, conforme descrito por Burton (1863: I, 190), foi negada por informantes e não tem sido sugerida por observadores subseqüentes.
A SINETA DIVINATÓRIA (IRO, IRO IFA)
Como as figuras são cosideradas como decorrentes, não simples‐mente do acaso ou sorte, mas controladas por Ifá, que pessoalmente supervisio‐na cada divinação, o adivinho pode atrair a atenção desse deus antes de iniciar a divinação. Com esse objetivo ele percute uma sineta ou “baqueta ritual” (iro) contra o tabuleiro divinatório. Esta é conhecida como a baqueta de Ifá (irofa, iro Ifa) em Ifé, como a baqueta de marfim (iroke, iro ike) em Ibadan e região de Oyo, e como orunfa (orun Ifa) ou orunke (orun ike) em Meko; mas os termos i‐rofa e iroke são amplamente reconhecidos. A baqueta tem, geralmente, cerca de 20 a 40 centímetros de comprimento, e é esculpida em madeira, com a extremi‐dade inferior, que se bate no tabuleiro, modelada na forma de uma presa de ele‐fante. A extremidade superior (quando ela é segurada) é simplesmente decora‐da mas também entalhada – por exemplo, representando uma mulher ajoelha‐da; por cima, há, por vezes, uma ponta no formato de sineta, com ou sem bada‐lo interno. Essa sineta no topo é muito mais incomum que a ponta em forma de presa que percute o tabuleiro. Frobenius (1913: I, 253) reproduz esboços de qua‐torze sinetas de Ifá, ilustrando a gama de variedades existentes em sua forma.
Adivinhos mais ricos possuem sinetas esculpidas em marfim ou moldada em latão. Um par incomum, procedente de ifé, fundido em bronze, acha‐se ilustrado na figura 13. Um simples bastão coberto com as contas casta‐nhas e verde‐claras de Ifá é também usado para esse fim em Meko e conhecido pelos mesmos nomes ou cabo do chicote rabo‐de‐vaca pode ser empregado.
Muitos adivinhos possuem sinetas divinatórias embora elas não sejam essenci‐ais à divinação e, em ifé, os adivinhos mais experientes com freqüência não uti‐lizam os seus.
A seguinte lenda de Ifá, que dá conta da origem da sineta ou baque‐ta ritual, foi contada por um adivinho de ifé que a atribuiu à figura Ọgbê Okan‐ran:
Em certa época, Orunmilá protegia Elefante e foi para a floresta com ele. Faziam qualquer tipo de trabalho para obter dinheiro, mas Orunmilá não era tão vigoroso quanto Elefante e não podia suportar as dificuldades tão bem. Eles trabalharam na floresta durante três meses e três anos; mas quando eles retornaram, Orunmilá tinha ganho apenas dinheiro suficiente para comprar uma roupa branca. Em seu caminho de volta para casa, Orunmilá pediu a Elefante para segurar a roupa enquanto ele entrava no mato para aliviar‐se. Elefante o fez; mas quando Orunmilá voltou, Elefante a havia engolido. Quando Orunmi‐lá pediu a roupa de volta, Elefante negou havê‐la recebido. Nasceu grande dis‐puta entre eles e prosseguiu à medida que seguiam pelo caminho. Finalmente chegaram a uma encruzilhada, onde se separaram, Orunmilá seguindo o cami‐nho para Ado sem sua roupa e Elefante indo para Alọ.
A caminho de Ado, Orunmilá encontrou Caçador, que disse estar indo caçar elefantes. Orunmilá lhe disse que sabia onde poderia achar um e matá‐lo e dirigiu‐o para seguir o caminho para Alo. Disse‐lhe que encontraria um elefante e que o mataria e que quando o abrisse, encontraria uma roupa branca que ele lhe deveria trazer de volta. Caçador seguiu o caminho, encontrou Ele‐fante e o matou. Quando lhe abriu as entranhas, achou a roupa branca lá den‐tro. Devolveu‐a a Orunmilá juntamente com uma das presas do elefante como presente.
Desde aqueles tempos, em virtude da falsidade de Elefante, Orunmilá e os babalawô usam a presa de um elefante como irofa. E desde aquela é‐poca, qualquer caçador que mata um elefante precisa levar a ala 14 para um babalaô.
14 Ala significa simultaneamente uma parte dos intestinos de um elefante e uma roupa branca.
INVOCAÇÕES INICIAIS
Antes da primeira divinação do dia, preces e invocações são oferecidas a Ifá e a outras divindades, enquanto a parafernália está sendo arrumada. É de conveniência descrever esse ritual preliminar, que só é realizado uma vez ao dia, antes de se voltar para o verdadeiro mecanismo da divinação e a maneira pela qual o verso adequado de Ifá é selecionado para o consulente. Conforme registrado em Meko, o adivinho senta‐se sobre uma esteira, com seu tabuleiro diante de si. Espalha pó de madeira sobre o tabuleiro e coloca o alguidar ritual em seu centro. O sortimento de objetos heterogêneos que servem como símbolos de alternativas específicas são situados do lado direito do tabuleiro. Duas bolsas de caurís, uma das quais também contém dezoito dendês, são colocadas em frente ao tabuleiro.
O adivinho retira os dendês de dentro da bolsa e os pousa dentro do alguidar divinatório e, em seguida, o soergue com ambas mãos e assopra saliva nos dendês. Então diz: “Ifá acorda, oh, Orunmilá. Se você está indo para a fa‐zenda, você deveria vir para casa, oh. Se você está indo para o rio, você deveria vir para casa, oh. Se você está indo caçar, você deveria vir para casa, oh.” (Ifa ji‐o, Orunmilá; bi o lo l(i) –oko, ki o wa‐(i)lê‐o; bi o lo l(i)‐odo, ki o wa‐ (i) le‐o; bi o lo l(i)‐ode, k(i) –o wa‐ (i) le‐o.) Isso é para assegurar que Ifá supervisiona a divinação e veja que a figura correta é escolhida.
Ele então coloca o alguidar ritual no solo, à esquerda do tabuleiro, dizendo “Eu tomo seu pé e aperto o chão assim.” (Mo fi esse re te‐(i) le bayi.) Ele então o pôs sobre a esteira assim. Eu carrego você para sentar sobre a estei‐ra, assim você pode me carregar para sentar na esteira para sempre”. (Mo fi es‐se re te ori eni bayi. Mo gbe o ke l(i) –ori eni, ki o lê gbe mi ka l(i) –ori eni titi lai.) Ele recoloca o alguidar sobre o tabuleiro dizendo “Eu carrego você para sentar no tabuleiro de Ifa, desse modo você pode me carregar para sentar no ta‐buleiro de Ifá para sempre”. (Mo gbe o ka l(i) –ori opon‐(I)fa, ki o lê gbe mi ka l(i)‐ori opon‐(I)fa titi lai.) Essas orações por vida longa são seguidas por outras, por filhos e dinheiro.
Ele desenha uma linha no sentido dos ponteiros do relógio com seu dedo, no pó de madeira, ao redor da base do alguidar, dizendo “Eu construo uma casa ao redor de você, assim você pode construir uma casa ao redor de mim 15, assim você pode deixar filhos me rodearem, assim você pode deixar dinheiro me cercar”. (Mo ko‐(i)lê yi o ka, ki o lê ko‐(i)le yi mi ka, ki o lê jeki Omo yi mi ka, ki o le jeki owo yi mi ka.) Ele apaga a linha com seu chicote ra‐bo‐de‐vaca dizendo: “Eu faço homenagem, oh; faço homenagem, oh. Homena‐gem vem para passar; homenagem vem para passar; homenagem vem para passar.” (Mo ju‐(i)ba‐o, mo ju‐(i)ba‐o; iba se, iba se, iba se.) Ele pega um pouco de pó de madeira do tabuleiro e o põe sobre o solo, dizendo, “Chão, eu presto ho‐menagem; homenagem vem para passar”. (Ile mo ju‐(i)ba; iba se.)
Ele coloca de novo o alguidar de lado e traça, no pó divinatório ao centro do tabuleiro, uma linha que se afasta dele, dizendo: “Eu abro para você um caminho reto e direito; assim você pode abrir para mim um caminho reto e direito; assim você pode deixar que as crianças tomem esse caminho até minha presença, assim você pode deixar que dinheiro tome esse caminho até minha presença.” (Mo la ona fun o tororo, ki o le la ina fun mi tororo; ki o le jeki Omo to ona yi wa s(i)‐odo mi, ki o lê jeki owo to ona yi wa s(i) –odo mi.) De‐pois ele remexe o pó de madeira no chão com a extremidade do cabo do chicote rabo‐de‐vaca, dizendo: “Eu faço o chão assim”. (Mo se ile bayi.) Do mesmo mo‐do ele remexe o pó de madeira sobre o tabuleiro, dizendo: “Eu faço o tabuleiro assim.”(Mo se opon bayi.)
Batendo no tabuleiro com a sineta divinatória ou com o cabo do chicote rabo‐de‐vaca, ele recita: “Escalar e tagarelar. Se o Cinzento Picapau Oeste‐africano sobe ao topo de uma árvore, ele vai tagarelar. Escalar e tagarelar, oh, escalar e tagarelar. Se o pássaro Agbe desperta 16, ele vai tagarelar. Escalar e ta‐garelar, oh, escalar e tagarelar. Se a Galinhola desperta, ele vai tagarelar. Escalar e tagarelar, oh, escalar e tagarelar.” (A‐gun se‐o, a‐gun se. Bi Akoko g(un) –ori igi a se. A‐gun se‐o, a‐gun se. Bi Agbe ji a ma se. A‐gun se‐o, a‐gun se. Bi Aluko ji a ma se. A‐gun se‐o, a‐gun se.)
Ele prossegue: “Elegbara (ou seja, Ẹșụ), homenagem, oh” (Elegbara, iba‐o) e recita diversos nomes de louvor de Ẹșụ, Ogum tagarela” (Ogun se), se‐guido de nomes de louvor de Deus de Ferro; “Oxum vai tagarelar” (Oșun a ma se), acompanhado de nomes de louvor de Deusa do Rio Oxum; “Xangô, à sua homenagem, oh, homenagem” (Șango iba‐e‐o, iba) e nomes de louvor do Deus do Trovão. Ele continua a invocar e recitar os nomes de louvor de tantas divinda‐
15 Ou “Eu faço uma cerca em torno de você, assim você pode fazer uma cerca em torno de mim”. (Mo so-(o)gba yi o ka, ki o la so ogba yi mi ka.)
16 Ver nº1, verso 17- Vem, passa a invocar os reis vivos e mortos: “Reis na terra e Reis nos céus, sua homenagem, oh” (Oba aiye ati oba orun, iba yin‐o) e a terra: “Chão, sua home‐nagem, oh”. (Ile iba –e‐o.)
Ele conclui, “Orunmilá, sacrifício é oferecido; Orunmilá, sacrifício é satisfatório; Orunmilá, sacríficio vem para passar” 17 (Orunmilá‐bo‐ru, Orunmilá‐bo‐ye, Orunmilá‐bosișe), ele bate as palmas das mãos e diz, “Obrigado, oh” (Adupo, o). A invocação dirigida a Orunmilá é uma prece para que o sacrifício que é oferecido será aceitável para ele, e que alcançará seu propósito.
O adivinho retira os dendês do alguidar divinatório, recoloca dois deles dentro da bolsa, junto aos caurís, e conta os dezesseis remanescentes di‐zendo: “Contar de novo (e de novo) é como um homem maluco conta seu di‐nheiro”. (A tun ke li asiwere Iká owo re.) Como continua a passar os dendês de uma mão para outra, ele invoca o parente que foi encarregado de sua iniciação, “Homenagem a oluwo” (Iba oluwo) ou “Honra ao oluwo” (Owo oluwo), e ho‐menageia seu mestre (ojugbona) 18, todos aqueles que algo lhe ensinaram sobre Ifá, aquele que o submergiu na lama, outros adivinhos que agem desse modo, que calcam (marcam figuras de Ifá) dessa maneira, a que fazem assim. Ele pres‐ta homenagem ou honra ao montículo de cupins. De formigas, ao rei, homem branco, polícia, processe em tribunal, perda, queda de um galho de árvore, ar‐ma de fogo, pedra, bofetada e uma fumaça mortal, na fazenda, no rio, na sava‐na, e assim por diante. Há muitas dessas invocações, as quais o adivinho pode men