Declaraçâo de Amor à Lfngua Portuguesa

texte06Ainda so estou no oitavo ano, sou bom aluno em tu do excepte em português, que odeio, vou ser cientista e astronauta, e tenho de gramar até ao 12° estas coisas que me recuso a aprender, porque as acho demasiado parvas. Par exemplo,o que acham de adjectivafizaçâo deverbal e deadjectival, pronomes com valor anaforico, cataforico ou deltico, classes e subclasses do modificador, signo linguistico, hiperonimia, hiponimia, holonimia, meronimia, modalidade epistémica, apreciativa e deôntica, diseurso e interdiscurso, texto, cotexto, ihtertexto, hipotexte, metatatexto, prototexto, macroestruturas e microestruturas textuais, inplicaçâo e implicaturas conversacionais? Pois vou ter de decorar um dicionario inteirinho de palavrôes assim. Palavrôes por palavrôes, eu sei dos bons, dos que ajudam a cuspir a raiva. Mas estes palavrôes so sâo para esquecer, dao um trabalhâo e depois nâo servem para nada, é sempre a mesma tralha, para nâo dizer outra palavra (a começar por t, com 6 letras e a acabar em « ampa », isso mesmo, claro.)

Mas eu estou farto. Farto até dedar erros, porque me pôem na frente frases cheias deles, excepto uma, para eu escolher a que esta certa. Mesmo sem querer, às vezes memorizo com os olhos 0 que esta errado, par exemplo: haviam duas flores no jardim. Ou : a gente vamos à rua. Puseram-me erros desses na frente tantas vezes que jà quase me parecem certos. Deve ser por isso que os ministros também os dizem na televisâo. E também ja nâo suporto respostas de cruzinhas, parece o totoloto. Embora às vezes até se acerte ao calhas. Livros nâo se lê nenhum, so nos dao noticias de jornais e reportagens,ou pedaços de novelas. Estou careca de saber o que é o lead, parem de nos chatear. Nascemos curiosos e inteligentes, masconseguem pôr-nos a detestar 1er, detestar livres, detestar tudo.

As redacçôes também sâo sem pre sobre temas chatos, com um certo formato e um numero certo de palavras. So agora é que estou a escrever o que me apetece, porque ja sei que de qualquer maneira vou ter zero. E pronto, que se lixe, acabei a redacçâo – agora parece que se escreve redaçâo. 0 meu pai diz que é um disparate, e que o Brasil nâo tem culpa nenhuma, nâo nos quer impôr a sua norma nem tem sentimentos de superioridade relaçâo a nos, so porque é grande e nos somos pequenos. A culpa é toda nossa, diz o meu pai, somos muito burros e julgamos que se escrevermos açào e redaçâo nos tornamos logo do tamanho do Brasil, como se nos puséssemos em cima de sapatos altos. Mas, como os sapatos nâo sâo nossos nem nos servem, andamos por ai aos trambolhôes, a entortar os pés e a manquejar. E é bem feita, para nâo sermos burros. E agora e mesmo o fim. Vou deltar a gramàtica na retrete, e quando a setôra me perguntar: Ô Joào, onde esta a tua gramàtica? Respondo: Esta nula e subentendida na retrete, setôra, enfiei-a no predicativo do sujeito.

João Abelhudo, 8°eno, setôra, sem ofensa para si, que até é simpàtica.»